A situação econômica do país atingiu um grau tão grave que o governo de Dilma Rousseff não tinha mais como se sustentar, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central (BC) e hoje sócio da gestora independente Mauá Capital. Figueiredo já havia antecipado esse cenário no ano passado, diante das dificuldades da presidente em levar adiante as mudanças necessárias para reequilibrar o país. “Mas ninguém podia imaginar que tudo ia acabar assim”, diz.
Para ele, a grande mudança do país com o governo ainda provisório de Michel Temer será a volta ao mundo da racionalidade. “No mínimo, estamos deixando de ter políticas bolivarianas”, diz, parafraseando o ex-presidente do BC, o economista Pércio Arida. Assim, o risco de a economia brasileira desandar de vez diminuiu muito. “E o novo governo está indo com uma equipe muito boa na área econômica, que vai ter uma agenda em primeiro lugar fiscal, em segundo, fiscal, e em terceiro, fiscal”, diz, reforçando a importância do ajuste das contas públicas.
Além da equipe econômica, Figueiredo destaca a equipe de articuladores políticos de Temer, que deve ajudar na aprovação das medidas fiscais no Congresso. “Ele tem uma equipe que é de articuladores, que é o oposto do que tinha a presidente Dilma”, diz o gestor, observando que Temer foi visitar o presidente do Senado e que deve levar pessoalmente as medidas ao Congresso. “É outra história”, afirma.
Outro ponto importante é que o Congresso, ao aprovar o impeachment por grande maioria, também está mudando o modelo econômico do país. “Foram 370 votos na Câmara e 55 no Senado, portanto, será difícil agora negar as medidas de austeridade propostas pelo novo governo, pelo menos neste primeiro momento”, acredita Figueiredo. “Estou bastante otimista com a capacidade de esse governo aprovar o que precisa no curto prazo, ainda mais que o senso de urgência é grande”, afirma.
O país tem a chance real de melhorar, e muito, a trajetória da economia que o país vina mostrando até aqui, diz o gestor. “Se vai ser suficiente, se vai ser tudo aprovado em 30 ou 60 dias ou se vai já mudar a trajetória da dívida pública, eu não iria tão longe”, diz. “Mas dá para dizer que vamos ter mudança grande e sensível, sem dúvida”, acrescenta.
Entre as primeiras medidas do novo governo, Figueiredo espera que esteja a reforma da Previdência e um aumento das desvinculações orçamentárias (DRU), que permitem ao governo não cumprir as exigências de aplicação dos recursos em áreas definidas, de 20% para 30% do orçamento. Há ainda a expectativa de fixação de um teto de gastos para o governo. “Se a equipe de Temer conseguir isso, é muito provável que o país consiga sair desse ciclo vicioso e entrar em ciclo virtuoso”, diz.
Virtuoso não significa reverter a queda de 4% do PIB esperada para este ano, deixa claro Figueiredo, mas algum crescimento, talvez no fim deste ano, o que já vai ajudar as receitas fiscais do governo. “O buraco pelo menos para de crescer e reduz um pouco”, afirma. O gestor espera que no último trimestre deste ao a economia pare de cair e, no ano que vem, o país registre um crescimento de 1%. “Mas, para 2016, devemos terminar o ano com uma queda de 3,5% do PIB, melhor que os mais de 4% de queda que era a previsão com o governo Dilma”, diz.
No mercado de câmbio, Figueiredo explica que o dólar vinha caindo pela expectativa de aprovação do impeachment, e só não caiu mais porque o BC passou a atuar, comprando moeda via contratos de swap cambial reverso. “O mercado se antecipou e, se não fosse o BC, o dólar teria ido para R$ 3,00”, diz. E essa pressão de baixa deve continuar, explica Figueiredo. “O BC estabeleceu esse piso, de R$ 3,50, mas é uma atitude bastante agressiva para quem tem câmbio flutuante”, alerta.
Ele não acredita que o novo BC vai tomar alguma medida extra para evitar a queda do dólar no curto prazo. “Pelo menos até acabar o estoque de swap cambial que ainda está no mercado, de quase US$ 70 bilhões”, diz. Portanto, o BC ainda poderia vender essa quantidade de swap cambial reverso antes de pensar em outras medidas para reduzir o fluxo de capitais para o Brasil. “Temos ainda a repatriação de recursos regularizados no exterior, que deve começar no terceiro trimestre e deve trazer um fluxo forte de dólares para cá”, alerta Figueiredo. Os private banks estimam que até US$ 50 bilhões podem voltar para o Brasil. “É bem otimista, mas não é impossível”, diz.
No caso dos juros, Figueiredo acredita que o governo tem de demonstrar que é protagonista, garantir a credibilidade com o ajuste fiscal. E há ainda a questão do processo de troca da equipe do Banco Central, com a indicação de um novo presidente e novos diretores. “Com todo esse processo, os novos diretores estarão tomando pé da coisa em junho, e ainda terá muita coisa acontecendo, o impacto das medidas fiscais nas expectativas, na economia”, diz.
Nesse caso, o mais provável é que a decisão de cortar os juros fique para a reunião do Comitê de Política Monetária de setembro. Figueiredo estima três cortes em setembro, outubro e dezembro, totalizando 1,5 a 2 pontos este ano. No ano que vem, o processo continuaria, até atingir 4 pontos percentuais ou mais, o que jogaria o juro básico para perto de 10%. “Pode ser melhor o BC adiar o corte agora e fazer com mais intensidade mais adiante”, diz.
Já com relação à bolsa, Figueiredo lembra que o Índice Bovespa já andou mais de 20% neste ano em reais e 30% em dólar. E o fluxo de estrangeiros para a bolsa está negativo nas últimas semanas. “A economia real vai demorar um pouco mais para reagir, mas a bolsa pode continuar melhorando sim”, diz.
Como sugestão para o investidor, Figueiredo diz que compraria títulos de longo prazo, principalmente os que pagam inflação mais juros, as NTN-B. Ele diz que teria cautela em comprar ações e preferiria fundos multimercados, por terem maior flexibilidade para mudar de estratégias e reduzir riscos. O mesmo vale para fundos de ações. “O fundo tem sempre alguém olhando se está na hora de comprar ou vender, e nesses momentos a sugestão é ter cautela e procurar alguém do ramo para investir”, diz.
Figueiredo diz que não acha que vale a pena comprar dólar, mesmo depois da queda recente. “Só o custo do juro em reais que o investidor perde ao comprar o dólar já não compensa, e eu não vejo o real se depreciando muito”, diz.
Sobre aumentos de impostos, Figueiredo acha que não virá nada no curto prazo, mas será inevitável no futuro. “Agora não, mas no futuro não vamos ter como escapar de um aumento de impostos” diz.