A Andrade Gutierrez está negociando a venda de sua participação na empresa de concessões CCR para a gestora brasileira IG4. A proposta, de R$ 4,6 bilhões, envolve a fatia de 14,86% que a construtora detém na empresa de concessões de rodovias, aeroportos e mobilidade urbana, que vale cerca de R$ 27 bilhões em valor de mercado.
Envolvida na Operação Lava Jato, a construtora estava tendo dificuldades para se reerguer sobretudo com o ritmo mais lento da economia. Desde então, vinha renegociando as dívidas e prorrogando prazos de pagamentos. Em dezembro de 2020, conseguiu postergar um vencimento de títulos emitidos no exterior, mas que precisava ser equacionado logo.
Se conseguir fechar a transação com a IG4, todo o dinheiro será destinado ao pagamento de 95% da dívida, de cerca de R$ 5 bilhões. Em comunicado divulgado ontem, a empresa estendeu a proposta aos demais acionistas da CCR (Mover, ex-Camargo Corrêa, e Soares Penido), que têm preferência de compra das ações. Se não houver interesse e as autoridades responsáveis autorizarem o negócio, a fatia da Andrade será vendida à IG4.
Segundo fontes ligadas ao negócio, as conversas para a compra da participação da construtora na CCR já vem de algum tempo, mas se intensificaram nos últimos dois meses. No ano passado, a gestora já havia comprado um hospital da Andrade Gutierrez, em Belo Horizonte (MG), o que estreitou as relações entre as duas organizações.
Com a venda da CCR (BOV:CCRO3), a Andrade equaciona sua dívida e passará a focar suas atenções nos ativos que restaram em seu portfólio. Além da empreiteira, que faturou no ano passado R$ 3 bilhões, ela mantém participação de 50% no estádio Beira Rio, 1% na Hidrelétrica Santo Antônio e 51% em fábrica de torres eólicas instalada em Jacobina (BA).
As ações da CCR registram sua maior alta nesta sexta-feira desde março de 2020, após a Andrade Gutiérrez confirmar a pretensão de vender sua fatia.
Entenda a dívida da AG
A Andrade Gutierrez Engenharia, braço operacional do grupo, terminou 2020 com dívida líquida de R$ 2,7 bilhões. O montante inclui bônus de US$ 480 milhões emitidos pela companhia, com vencimento em 2024.
No ano passado, a AG teve que renegociar o pagamento de juros sobre os bônus depois de enfrentar problemas de caixa com a paralisação de obras no Brasil e no exterior por causa da pandemia.
Em 30 de março deste ano, a Andrade Gutierrez comunicou que havia contratado a Moelis & Company para assessorá-la na reestruturação da dívida com os detentores dos bônus. Esse é um processo que ainda está na fase inicial.
Um dos problemas é que a dívida da companhia tem custo elevado, da ordem 9,5% ao ano em dólares. “A empresa estava trabalhando para pagar juros”, disse uma fonte.
Foi nesse contexto que a empresa decidiu se desfazer dos 14,86% que detém na CCR, seu principal ativo. A operação foi precificada a R$ 15,44 por ação, o que totaliza R$ 4,63 bilhões considerando as mais de 300 milhões de ações que serão vendidas.
A operação considera ainda a possibilidade de a companhia receber um valor adicional a depender do que acontecer com a ação da CCR em um período de 12 meses a contar do fechamento da transação. Mas o valor mínimo a ser recebido é de R$ 4,63 bilhões.
Compradora
Do outro lado, a compra a CCR dará um salto de quase 80% na carteira da IG4. Criada em 2016, a gestora IG4 administra algo em torno de US$ 1,1 bilhão em ativos – cerca de R$ 6 bilhões. O portfólio da empresa inclui a Opy Health, que administra hospitais; o Corredor Logística e Infraestrutura (CLI), que detém participação no Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram); e a Iguá, que acabou de ganhar um bloco de concessão da Cedae, por R$ 7,2 bilhões.
Além disso, a empresa de private equity fez no mês passado uma proposta para adquirir participação em holdings que são acionistas na mineradora chilena de lítio Sociedad Química y Minera de Chile (SQM). A proposta, de US$ 916 milhões, terá de ser respondida até 14 de maio. Se conseguir fechar o negócio, a gestora se transforma numa das maiores produtoras de lítio do mundo – o produto é uma importante matéria-prima para a fabricação de baterias e placas solares.
No passado, a IG4 já tentou adquirir a Invepar e o Aeroporto de Viracopos. Em ambos os casos, não obteve sucesso. No primeiro caso, por se tratar de um ativo complexo, com várias indefinições sobre as concessões administradas. E o segundo porque o governo decidiu relicitar a concessão do aeroporto de Campinas.
VISÃO DO MERCADO
Bank of America
Para o Bank of America, a venda da participação de Andrade Gutierrez na CCR é uma boa notícia para a empresa e o setor de infraestrutura.
A empresa de concessões rodoviárias informou que a acionista controladora tem intenção de vender a sua participação de 14,86% por R$ 15,44/ação. A decisão foi tomada após uma oferta vinculante recebida da IG4 Capital Investimentos.
O Grupo Mover e a Soares Penido, têm o prazo de 30 dias para decidir se usarão os direitos de preferência ou não.
De acordo com o Bank of America, existem cinco motivos para considerar o movimento de venda como positivo.
Os analistas Murilo Freiberger e Gustavo Tasso afirmaram que a operação indica que existe um grande interesse por ativos de infraestrutura brasileiros aos níveis de valuation atuais. O desinvestimento também mostra que participantes do setor estão confiantes com as oportunidades de crescimento oferecidas pelo superciclo de investimentos no Brasil. A estrutura de earn-out pode implicar em potencial de valorização de novos projetos e atualizações de contratos. A mudança também dá mais poder de fogo para a CCR nos próximos leilões.
Os analistas destacaram que a IG4, com seu foco em ESG (Environmental, Social and Corporate Governance, ou Governança Ambiental, Social e Corporativa, traduzido para o português) e histórico em outros segmentos, parece ser bem vista pelos investidores.
Guide Investimentos
Acreditamos que a queda no risco de imagem ao desvencilhar o nome de um dos seus controladores da Lava-Jato e a possibilidade de explorar oportunidades no setor de saneamento nos próximos meses, já que cinco novos leilões estão no radar do BNDES, sendo três previstos para ocorrer ainda neste ano são favoráveis para a empresa de concessão.
Lucro líquido de R$ 191 milhões desaba 86,7% em 2020
O grupo CCR registrou lucro líquido de R$ 191 milhões em 2020, queda de 86,7% em relação ao ano de 2019.
No acumulado do ano, a receita líquida foi de R$ 8,941 bilhões, baixa de 5,8%.
No acumulado de todo 2020, o tráfego teve queda anual de 2,6% – taxa considerada razoável diante das fortes perdas registradas no auge da crise. No segundo trimestre do ano passado, o índice chegou a cair 18,2%.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.