Dentro de uma semana a tragédia de Mariana (MG) completará seis meses. Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem, da mineradora Samarco, causou a morte de 19 pessoas, provocou destruição da vegetação nativa e poluiu a bacia do Rio Doce. De lá pra cá, muitos estudos foram feitos, mas uma pergunta ainda não foi claramente respondida: qual o real impacto do episódio para a qualidade da água e dos peixes?

Estudos da Marinha e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que atestaram a existência de altos níveis de metais pesados no Rio Doce, não conseguiram mostrar se a contaminação está relacionada ao rompimento da barragem. Além disso, a pesca foi proibida em diversos pontos da bacia, a pedido do Ministério Público Federal. Trata-se de uma medida de precaução já que, segundo os promotores, não há informações científicas seguras sobre a qualidade dos peixes para o consumo humano.

O cenário de dúvidas fez com que um grupo de pesquisadores brasileiros viajasse ao Canadá para conhecer uma metodologia de análise dos rios que leva em conta dois fatores: a importância de  observar os indicadores biológicos e não apenas os físicos e químicos, e a necessidade de uma pesquisa regular, que não seja feita somente após os desastres. Ao longo das últimas semanas, eles se reuniram com servidores da Agência Ambiental Canadense e pesquisadores da Universidade de Alberta, na cidade de Edmonton.

No estado de Alberta, a comitiva brasileira também visitou o Rio Athabasca que, em outubro de 2013, foi poluído pelo rompimento da barragem de uma mina de carvão. Cerca de 680 metros cúbicos de rejeitos atingiram o leito e escoaram por até mil quilômetros. Posteriormente, na cidade de Vancouver, o grupo conheceu de perto as consequências de outra tragédia, ocorrida em 2014, desta vez envolvendo uma mina de cobre e ouro. A recuperação dos rios contou com a colaboração da metodologia de análise canadense. De volta ao Brasil nessa quinta-feira (28), os pesquisadores trazem na bagagem uma nova aposta: monitoramentos mensais dos peixes e dos sedimentos que se depositam no fundo do rio.

“No Brasil, estamos acostumados a avaliar somente o contaminante. Pegamos amostras das água e dos peixes e dizemos se ali há contaminação acima do permitido pela legislação. Mas isso não é suficiente. Precisamos de indicadores biológicos ou indicadores de efeito, isto é, analisar o comportamento dos contaminantes, do ambiente e dos seres que nele habitam. Porque um contaminante pode estar acima dos limites legais e não estar causando efeito nenhum. E o contrário também pode ocorrer, de um contaminante dentro dos padrões estabelecidos estar causando algum impacto”, explicou o ecologista e toxicologista Fernando Aquinoga.

Sedimentos e peixes

A bióloga Tatiana Furley relatou que os pesquisadores canadenses envolvidos com a tragédia do Rio Athabasca estudaram em detalhes os peixes e os sedimentos. “O sedimento no fundo do rio é o depósito final do contaminante. Sua análise é muito importante, pois ele interfere no comportamento do rio. Os crustáceos comem esse sedimento e depois servem de alimentos aos peixes. Além disso, uma enchente pode, no futuro, movimentar os sedimentos e espalhar novamente o contaminante”, disse.

Na metodologia canadense, a equipe responsável pelo estudo dos peixes precisa ir muito além da análise química. Não basta apenas coletar amostras para dizer se as espécies estão contaminadas por metais pesados. Cada detalhe é importante. “É preciso observar os números da população, se os animais estão saudáveis, se alimentando, se reproduzindo. Peixes refletem a qualidade da água do rio e uma análise precisa nos diz muita coisa. Devemos observar o fígado, os ovos, as gônadas, o metabolismo. É fundamental analisar se o estresse do ambiente está prejudicando o metabolismo. E fazer também uma comparação das populações de uma parte do rio que sofreu impacto e de outra que não foi afetada”, acrescenta Fernando Aquinoga.

Novo protocolo

Fernando Aquinoga e Tatiana Furley são pesquisadores da Aplysia, uma empresa especializada em avaliação e monitoramento ambiental. Após o rompimento da barragem em Mariana, eles chegaram a fazer estudos no Rio Doce, contratados pela mineradora Samarco. Além dos dois, a comitiva brasileira contou também com o oceanógrafo Felipe Niencheski, professor da Universidade Federal de Rio Grande (Furg). Com base na experiência que têm no Brasil e no que viram no Canadá, o grupo pretende sugerir novo protocolo a ser observado para pesquisas futuras da qualidade das águas das bacias.

“Precisamos começar a monitorar o corpo hídrico dos nossos rios. É uma abordagem cem por cento preventiva. No Canadá, o Rio Athabasca tinha dados de 40 anos de medição. E aí podemos comparar o antes e o depois. Se fizermos estudos de forma regular, uma eventual tragédia será menos custosa para os governos, as empresas e as populações. Os impactos podem ser mais facilmente contornáveis”, afirmou Felipe Niencheski. Um projeto piloto está sendo elaborado pela Aplysia para adaptar a metodologia canadense com base nas espécies brasileiras. Com o apoio do governo do Espírito Santo, inicialmente seriam analisados três rios capixabas: Benevente, Jucu e Santa Maria da Vitória.

De acordo com Tatiana Furley, o grupo também quer disseminar o conhecimento e envolver mais pesquisadores. “Estamos falando de uma metodologia que exige parceria de vários atores. Reside aí o sucesso canadense. Por meio de um diagnóstico mais preciso do tamanho real do problema, conseguimos desenhar um plano de como atuar, por quanto tempo e que órgãos precisam ser envolvidos em ações de longo e médio prazo”.