Diante da ineficácia dos processos de recuperação atualmente regidos pela Lei 11.101 em produzir uma maioria de reversão e sucesso para empresas em crise, estão em discussão questões para sua atualização, melhoria e correção. Trago à reflexão alguns pontos que a atuação de décadas no ramo me mostra como imprescindíveis para reverter o cenário, o que faço não com uma visão jurídica, mas sim pelo envolvimento e dedicação às operações e à gestão, ao realismo e viabilidade das ações objetivando a sobrevivência e sucesso deste ser vivo e dinâmico chamado empresa.

Primeiramente, o processo de recuperação deveria incluir todos os credores, sem exceção. Na medida em que a lei exclui e protege o fisco, certos credores, os portadores de certas garantias etc., estamos praticando o tão brasileiramente apreciado “foro privilegiado” e contribuindo para a dispersão e desunião de interesses em reverter o quadro em benefício de todos. Grande exemplo disso foi a recuperação judicial da GM, nos Estados Unidos, onde grande parte dos débitos foram convertidos em ações, inclusive os tributários, mais adiante revendidas em Bolsa, com lucro (inclusive por parte do governo), a partir da percepção do sucesso da recuperação. Continuar na lógica dos atuais processos de vender ativos para privilegiar alguns credores em detrimento dos outros é injusto e desagregador.

O segundo ponto é que os credores deveriam exigir e impor que a recuperanda apresentesse um plano de recuperação verdadeiro e real, isto é, onde as efetivas causas das dificuldades estejam diagnosticadas a partir de uma visão holística de deficiências operacionais, mercadológicas, de recursos (humanos, financeiros e tecnológicos) e de gestão e governança. Só assim, o “plano” é capaz de incluir ações corretivas também holísticas de todas essas dimensões e, apenas por consequência, demonstrar financeiramente a necessidade de eventual deságio do passivo, bem como a dimensão da necessária carência e prazo de amortização. Credores continuarem a aceitar como “planos” meras simulações planilhadas de números para pleito de deságio e prazo, sem que incluam o ataque e eliminação das verdadeiras causas dos problemas, é crença em Papai Noel ou esquizofrenia.

Minha terceira consideração é que este plano de recuperação seja elaborado por uma equipe qualificada e experiente em diagnóstico e gestão empresarial, externa e independente em relação à recuperanda. O cenário de recuperação é sempre decorrente de falhas ou deficiências de gestão e governança. Portanto, imaginar que os mesmos que levaram a empresa para o buraco serão agora iluminados pelos astros e capazes de produzir a fórmula para o milagre da ressureição é no mínimo irracional.

Como quarto ponto, é completamente lúdico e irrealista imaginar que os administradores que erraram ou falharam, por imprudência, imperícia ou negligência – três fatores que juridicamente imputam culpa – agora se transformarão em arautos das boas técnicas de gestão e governança, do planejamento em lugar da improvisação, da liderança em substituição à feitoria, dos controles e da formalidade ao invés da mera intuição e da ilegalidade. O processo de recuperação deveria impor, automaticamente, a renúncia e troca de diretores e Conselheiros de Administração, caso estes existam, não deixando isto facultativo, como é hoje. Dentro desta lógica, tanto gestores quanto conselheiros, com experiência, capacitação e perfil para cenários de crise, deveriam ser “interinos”, ou seja, contratados para a missão de conduzir o processo de recuperação sem visão de carreira, pois esta embute intrinsecamente um posicionamento político, incompatível com o realismo e objetividade requeridos para reversão de um quadro de crise.

Minha última consideração é que o processo de recuperação deva ter um foco efetivo na preservação da empresa como ente econômico, em benefício de todos os stakeholders, prioritariamente todos os credores, sendo a última das preocupações com os proprietários e gestores. Ou seja, se para que a empresa se recupere – e pague ou ressarça credores, continue suprindo produtos, empregando pessoas, gerando impostos – é necessário converter parte ou todos os créditos em capital, diluindo ou zerando a propriedade atual, que se faça isto. A partir do momento que o passivo exigível é maior do que 50% dos ativos, os atuais proprietários já são minoritários, ainda que façam de conta que não. Se for uma massa falida, então, suas ações já valem zero mesmo.

Todas essas ponderações requerem que os credores se deem conta de que um processo de recuperação é um baile de gafieira: “quem está fora não entra e quem está dentro não sai”. Ou seja, só a colaboração, participação e posicionamento proativo, técnico e não emocional dos atuais credores pode contribuir para a recuperação, no seu próprio interesse, o que inclui funcionários, fornecedores, bancos e governo. Só o futuro existe, simples assim!