Com a queda da Selic de 7,5% para 7% ao ano nesta semana, os juros básicos da economia passam para um dos menores patamares da história do país. Mas, no bolso do consumidor, os efeitos pontuais do novo corte devem ser pouco percebidos, segundo avaliação de Miguel de Oliveira, diretor de Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Algum efeito mais forte poderá ser sentido em linhas com garantias, como financiamento de veículos ou imóveis.
Estimativas da entidade levando em conta essa nova redução da Selic e seu reflexo sobre a média dos principais financiamentos às pessoas físicas – juros do comércio, cartão de crédito, cheque especial, CDC (veículos), empréstimo pessoal de bancos e financeiras — prevêem para agora uma queda de 0,77% na taxa anualizada, de 7,44% para 7,40% ao mês ou 135,5% ao ano. Em outubro do ano passado, com a Selic a 14% ao ano, essa taxa alcançava 8,20% ao mês, ou 157,47% ao ano, mas elas continuam, segundo a Anefac, mais elevadas do que em março de 2013, quando o juro básico estava em 7,25%.
Tendência é de maior repasse aos tomadores a partir de 2018
“A redução da Selic é para um patamar histórico, e bastante positiva. Quem for buscar empréstimos nos próximos dias já verá taxas diferentes dos bancos. Mas o efeito nas taxas cobradas na ponta do consumidor ainda é muito pequeno”, diz Oliveira, referindo-se tanto ao último corte quanto à redução promovida a partir de outubro de 2016, quando começou o movimento de redução pelo Banco Central.
No entanto, ele acredita que, independentemente de novas reduções na taxa básica, com a melhora prevista para a economia, nos indicadores de emprego e recuo da inadimplência, “a tendência é de quedas um pouco maiores nos juros ao consumidor a partir de 2018, com reflexos mais efetivos em 2019”. O professor de economia da Saint Paul Escola de Negócios, Alan Ghani, também avalia que, no curto prazo, o efeito para os tomadores de crédito será pequeno, mas com possibilidades de alívio maior nas taxas a partir do segundo trimestre do ano que vem.
Concentração bancária e inadimplência ainda são desafios
Oliveira lembra que apesar da recente trajetória de queda da Selic, os juros no país seguem muito altos, entre os maiores do mundo, uma vez que a redução do juro básico não é o único fator que influencia as taxas cobradas das empresas e pessoas físicas. “Elas são afetadas também pelos riscos de inadimplência, pela elevada concentração bancária, que prejudica a concorrência, além de tributos e exigência de compulsórios, elementos que pressionam os spreads (diferença entre a taxa que o banco paga para captar recursos e os juros que cobra ao emprestar) dos bancos”.
Cartões e cheque especial podem recuar 0,55%
Para as duas linhas que mais costumam pesar para quem estoura o orçamento — cheque especial e cartão de crédito — as taxas médias anualizadas, cada vez mais próximas entre si, podem recuar na casa de 0,55%, diz a Anefac, mantendo-se ainda bastante elevadas, entre 295% e 324% ao ano, respectivamente — o que exige atenção do consumidor na pesquisa de condições e na forma de utilização do crédito.
Cartão de crédito cai e se aproxima das taxas do cheque especial
No caso do cartão de crédito, após as novas regras determinadas pelo BC para o rotativo, em abril, os juros vêm caindo com mais força que em outras modalidades de empréstimo. Pelo levantamento da Anefac, a média anualizada diminuiu quase 30%, saindo de 15,4% ao mês em março (457,21% ano ano) para 12,84% ao mês ou 326,14% ao ano em outubro e podendo, com a nova Selic, recuar para média de 12,80% ao mês ou 324% ao ano. Para o cheque especial, que em março estava na média de 12,38%, a estimativa agora é de queda de 12,18% para 12,14% ao mês.
CDC dos bancos (veículos): garantia e concorrência permitem taxas menores
Na modalidade CDC dos bancos (veículos), a projeção da Anefac é queda de 2,15% na taxa anualizada, que passaria da média de 2,07% para 2,03% ao mês (27,3% ao ano).
No financiamento de veículos, uma das linhas com juros mais baixos, por conta da concorrência e do risco menor de calote (o carro é a garantia), os bancos mantêm a taxa relativamente mais próxima à Selic. “É provável que empréstimos com garantias reais, caso de veículos e segmento imobiliário, respondam mais rapidamente à queda do juro básico, se o cenário da economia ajudar”, diz Oliveira.
Crédito pessoal mostra pouca diferença nas prestações
Na modalidade crédito pessoal dos bancos, recuo estimado de 1,16%, para média de 4,24% ao mês ou 64,6% ao ano, aponta pouco alivío para o orçamento do tomador de empréstimo. Dando um exemplo prático, alguém que tomasse emprestados R$ 5 mil nas taxas mencionadas do crédito pessoal, para pagar ao banco em 12 meses, sairia de uma prestação hoje de R$ 541,45 ao mês para R$ 540,21. Ao final do contrato, a diferença, segundo a Anefac, seria de apenas R$ 14,95, e o tomador pagaria um total de R$ 6.482,47 — mais de 1,48 mil de juros.
Cartões: Abecs faz balanço positivo dos primeiros meses da mudança no rotativo
Para os usuários de cartão de crédito, vale acompanhar mudanças que têm sido importantes para o segmento. A Abecs, associação que representa os meios eletrônicos de pagamento, elaborou um balanço dos primeiros meses de vigência da regra do Banco Central que limita em até 30 dias o prazo de permanência do consumidor no crédito rotativo.
Taxa média na modalidade recuou 57%, segundo a entidade
Com a mudança, diz a entidade, tendo como base dados do Banco Central — que consideram o sistema financeiro como um todo e ponderam as taxas de acordo com o volume de empréstimos em cada modalidade de financiamento — a taxa média de juros do rotativo caiu para menos da metade, saindo de 466,4% ao ano (15,5% ao mês) em março para 201,1% ao ano (9,6% ao mês) em outubro – queda acumulada no período de 57% na taxa anualizada.
Ricardo Vieira, diretor executivo da Abecs, diz que a redução na taxa de juros foi possível graças à mudança na matriz de risco da operação. Segundo dados do Banco Central, destaca o executivo, desde a implantação da regra, de março a outubro, o crédito movimentado pelo rotativo caiu 20,8%, de R$ 16,8 bi para R$ 13,3 bi.
Inadimplência nas faturas diminui e chega a 6,8% em outubro
O valor das faturas atrasadas a mais de 90 dias recuou de R$ 13,4 bi para R$ 12,7 bi. Já o índice de inadimplência do cartão tem caído todos os meses, chegando a 6,8% em outubro – menor índice desde março de 2015.
“Depois da mudança nas regras, as pessoas que não podem pagar (no vencimento) estão parcelando, de acordo com as possibilidades do seu orçamento”, afirma Vieira. O entendimento da Abecs é que o consumidor tem aproveitado a nova regra para buscar uma alternativa de crédito mais barata e com pagamento em parcelas fixas, o que garante maior controle do orçamento.
Parcelado, com taxa média de 8,7% ao mês, cresce 45% em volume
Segundo Vieira, o grupo de pessoas que costumam entrar no rotativo – que representa 5% do total de usuários de cartão – tem trocado essa linha de crédito pela modalidade de parcelamento, que cresceu 45% em volume de março a outubro, passando de R$ 11,3 bilhões para R$ 16,4 bilhões, e oferece taxa média de juros de 8,7% ao mês.
Orientadores financeiros e a própria Abecs lembram, no entanto, que é preciso usar o cartão de crédito de forma consciente, tentando sempre que possível liquidar a fatura na data de vencimento. E também lembrar que existem opções de financiamento mais em conta, como o crédito pessoal dos bancos, entre outras. “A melhor forma de usar o cartão de crédito é como meio de pagamento eletrônico e não como linha de crédito”, diz o professor do Insper, Ricardo Rocha.
Compensação está rodando sem problemas, diz Abecs
Sobre falhas registradas em novembro, após a implementação de mudanças que determinam que as redes de adquirência, como Cielo, Rede e Getnet, passem a enviar os documentos de compras via cartões não mais diretamente aos bancos associados, mas à Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) — e que chegaram a causar atrasos de pagamento a lojistas e problemas nos cartões — Vieira afirma que já estão resolvidas e não devem preocupar lojistas e consumidores neste fim de ano.
“A indústria tinha convicção da grande mudança promovida no sistema de liquidação, que envolve bilhões de transações; tivemos alguns problemas nos primeiros dias, mas foram solucionados”, diz o diretor da Abecs, garantindo que a centralização na CIP “já está rodando sem problemas e dentro do previsto”.