Antes de a pandemia chegar ao Brasil, representantes dos frigoríficos Marfrig (BOV:MRFG3) e Minerva (BOV:BEEF3) estavam começando a criar condições para iniciar um diálogo visando a combinação dos negócios. A soma do valor de mercado das empresas, sem considerar sinergias, seria hoje de 18 bilhões de reais — 60% concentrado na Marfrig. As conversas entre as duas companhias nunca foram fáceis, mas intermediários de ambos os lados  abriam espaço para uma transação — que poderia juntar a segunda maior companhia de carnes do mundo (Marfrig) com a maior exportadora da América do Sul (Minerva). As empresas teriam somado 17,5 bilhões de reais de receita líquida no primeiro trimestre, o equivalente a 31% dos 56,5 bilhões de reais registrados pela gigante JBS.

Qualquer pessoa que conheça minimamente a história do Marfrig sabe que o fundador Marcos Molina não tem nenhuma disposição de deixar de ter as rédeas do negócio, que sozinho vale 10,5 bilhões na bolsa. A questão é que Fernando Galletti de Queiroz, presidente da Minerva e herdeiro do fundador, também não gosta da ideia de perder a cadeira para uma transação — ainda menos com a rival nacional do outro lado. Mas, fontes com conhecimento do assunto afirmam que o objetivo era pavimentar um caminho para Molina ficar à frente das companhias combinadas. Com ele, ou é assim, ou não é.

Atualmente, entre ações e derivativos, Molina tem 47% do capital total da Marfrig, descontadas as ações em tesouraria. Já a família Vilela de Queiroz, da Minerva, conduz o negócio com cerca de 20% do capital — apoiada por um acordo de acionistas com o fundo saudita Salic, dono de 25% da empresa. Economicamente, portanto, não é difícil entender que Molina seria prevalente como acionista de referência.

A união das companhias é aventada há tempos e houve até quem sonhasse em juntar Marfrig, Minerva e BRF num só negócio. Contudo, a execução sempre foi um desafio e o tempo só fez a rivalidade entre os empresários aumentar. O clima é quase como Sadia e Perdigão, que só se uniram para formar a BRF quando a primeira estava à beira de um colapso financeiro devido à crise dos derivativos cambiais em 2008.

Consultadas, ambas negam com veemência qualquer possibilidade de acordo e a existência de discussões. No entanto, a reportagem teve acesso a informações que confirmam o namoro pré-pandemia. E há quem acredite que esse diálogo possa esquentar ainda no segundo semestre deste ano.

As condições atuais, porém, parecem menos favoráveis do que as do começo de 2020. Um dos principais fatores que abriam espaço para a transação ocorrer era a pressão financeira que existia sobra a família Vilela de Queiroz, pois a holding VDQ emitiu 350 milhões de reais em debêntures, em outubro de 2018, para acompanhar o aumento de capital privado de 1,1 bilhão de reais anunciado pela empresa naquele ano. A dívida vence em 2023. Quem comprou as ações naquela capitalização ganhou o direito de subscrever igual quantidade em 2021, por 6,42 reais — hoje, um descontão sobre o preço atual, acima de 14 reais. Ao preço atual, o exercício dessa subscrição faria o valor de mercado da empresa subir para próximo de 8 bilhões de reais e traria mais 770 milhões ao caixa.

Conforme fontes próximas à família, essa espada já é muito menos afiada, pois a holding captou 195 milhões de reais com a venda de papéis na oferta pública de Minerva de 1,2 bilhões de reais realizada no fim de janeiro — o que permitiu o pagamento antecipado de mais de metade do compromisso. Além disso, a família também teria vendido parte dos bônus no mercado secundário, aliviando ainda mais a pressão.

A Minerva anunciou um plano de crescer organicamente nos próximos dois anos, sem aquisições, dedicada a criar valor para os acionistas por meio do pagamento de dividendos, após reequilibrar sua estrutura de dívida. A falta de dividendos era algo que incomodava os Vilela de Queiroz. A companhia ficou três anos — 2017, 2018 e 2019 — sem pagar proventos aos acionistas, dois deles com patrimônio líquido negativo. Fontes próximas aos controladores afirmam que a remuneração esperada para 2020 e 2021 deve permitir que a VDQ exerça os bônus de subscrição que ainda possui e ainda pague os compromissos restantes das debêntures.

Alavancagem por alavancagem, Molina também tem seus compromissos. O empresário fortaleceu sua participação na empresa desde a saída do BNDES do capital da empresa por meio de uma oferta pública em dezembro de 2019. Para isso, levantou um empréstimo de 500 milhões de reais que tem as ações da empresa como garantia e prazo de cinco anos. Desde então, ele seguiu ampliando sua fatia com aquisições no mercado à vista — está hoje a 300 milhões de reais de distância de se tornar controlador majoritário do negócio.

Ao ser consultada sobre o tema de uma transação com Marfrig, a Minerva disse por meio de nota que: “Como informado em diversas ocasiões, seguiremos comprometidos com a geração de valor e de dividendos para os nossos acionistas, pelo menos nos próximos dois anos. Portanto, não há qualquer operação de fusão ou aquisição prevista neste período”. Com as finanças reformadas, a companhia acredita, conforme o EXAME IN apurou, que as gigantes americanas do setor de proteína terão de buscar soluções e alternativas diante da guerra comercial com a China, o que pode transformar o Brasil em um alvo interessante para negócios. Parte importante da família Vilela de Queiroz, segundo informações, continua propensa a vender a empresa.