“Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política.
É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.”

Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues dizia invejar a burrice, porque eterna. Há uma combinação de sarcasmo e provocação aqui, claro. Mas, olha, se pararmos pra pensar, faz sentido. Veja se não é a versão freudiana carioca para o clássico efeito Dunning-Kruger: “Unskilled and unaware of it”. A pessoa, normalmente, não tem percepção da própria inépcia. E sem a autocrítica, como evoluir? Achando-nos Intellectual Navy Seals, cedemos à inércia da nossa burrice, condenados à prisão perpétua da falta de inteligência.

Às vezes, em certas discussões sobre finanças, só resta adotar a prescrição de Millôr Fernandes: “Por mais violento que seja o argumento contrário, por mais bem formulado, eu tenho sempre uma resposta que fecha a boca de qualquer um: ‘Vocês têm toda a razão’”.

Nassim Taleb tem outra sugestão para situações semelhantes: comece a falar ininterruptamente, poupando o interlocutor (e a si mesmo) do constrangimento de expor aquela reunião de bobagens. Se puder recorrer ao álcool, faça isso, com intensidade. Palavras dele, que aliás pude testemunhar presencialmente, numa bela demonstração de “skin in the game”: levei uma cachaça mineira campeã e o bicho matou metade ali mesmo no Cantaloup. Ficou com uma papada vermelha, que saltava da gola rolê típica daquela camiseta de manga comprida preta — manja?

Taleb nos oferece uma frase de que gosto muito: o problema do mundo não são as pessoas que não sabem, mas aquelas que não sabem o suficiente. As que não sabem ouvem, aprendem, melhoram. As que não sabem o suficiente defecam a sapiência que não têm, cuja característica principal é ser inodora. E me desculpe: uma defecação sem odor não contém nada.

Em algumas conversas privadas ou em passeios aleatórios na internet, tento espremer os discursos dos gurus de finanças e investimento atrás de algum insight genuíno e verdadeiro, alguém capaz de pensar com a própria cabeça. Sinto-me transportado para a peça “O Escândalo Philippe Dussaert”, o famosíssimo artista que pintou “O Nada”. Na verdade, ele fez uma galeria inteira sobre “O Nada”. Tiveram até que tirar o banquinho do segurança no museu, sob o risco de aquilo ser caracterizado como uma peça de arte vanguardista, pós-modernista ou contemporânea — da defecação de sapiência ao mictório dadaísta de Marcel Duchamp é um passo.

Queria hoje falar um pouco dessas frases pseudointeligentes, repetidas a esmo pelos “especialistas” em economia e finanças.

1. Desta vez é diferente?

Um pouco de contexto aqui. Com algum tom de ironia e aparente superioridade intelectual, é comum algum interlocutor defender seu argumento usando a pergunta: “Ah, então desta vez é diferente?”. É uma forma de, ao menos supostamente, derrotar o adversário intelectual, expondo sua falta de conhecimento histórico, como se houvesse um padrão histórico recorrente e a se repetir ciclicamente. Logo, o ciclo estaria de novo a se repetir e o contra-argumento seria apenas resultado do desconhecimento. Parece inteligente combater a proposição de que desta vez é diferente.

John Templeton certa vez sintetizou a coisa: “As quatro palavras mais perigosas no setor de investimentos são ‘desta vez é diferente’”.

A questão é que o próprio Templeton admitiu que, em pelo menos 20% do tempo, aquela vez é mesmo diferente. As coisas mudam, há surpresas, o caminho histórico dialético vai caminhando em alguma nova direção. A síntese atual não é necessariamente um resgate de uma tese antiga.

Michael Batnick trouxe fino deboche na réplica: “As catorze palavras mais perigosas no setor de investimento são ‘as quatro palavras mais perigosas no setor de investimento são “desta vez é diferente”’.

A História pode ser um guia. E a História pode não ser um guia — o que, obviamente, não significa que não devemos conhecê-la. O presente deve ser estudado à luz dos acontecimentos passados, mas também considerando suas próprias vicissitudes.

Há, hoje, uma discussão, que inclusive acho bastante pertinente, sobre o valuation de algumas empresas de commodities e sobre como sua aparente atratividade lembraria, na verdade, o ciclo de cerca de dez anos atrás. Tudo parece muito barato e convidativo, mas reflete apenas um fim de ciclo. O múltiplo muito baixo de uma determinada ação se tornaria rapidamente alto ou mediano porque encontraríamos uma forte queda das matérias-primas logo ali na frente. Os 3,5 vezes EV/Ebitda viram 5 vezes rapidinho.

Eu não sei se estamos, de fato, condenados a repetir essa dinâmica. Acho, sinceramente, que ninguém sabe. Claro que, a posteriori, todos nós saberemos e, então, ficará óbvio. Aqueles que apostaram na tese contrária vão ser vistos como completos idiotas.

Gosto de Vale não porque projeto a manutenção do minério de ferro nos níveis atuais, mas, sim, porque, mesmo se houver uma queda significativa na commodity subjacente, teremos uma geração de caixa ao acionista bastante expressiva. Aos preços spot, Vale geraria 15% de Free Cash Flow to Equity só no segundo semestre (um terço do market cap anualizado, aproximadamente). Com os preços indo a US$ 170 por tonelada, falaríamos de 12% de FCFE semestral.

2. O Brasil não é para amadores

A cada dificuldade enfrentada em Pindorama ou a cada nova surpresa (nessa crise hídrica, falta lago para tanto cisne negro), surge algum descolado citando a frase  originalmente atribuída a Tom Jobim.

No caso das finanças, porém, parece haver justamente o contrário. O Brasil é só para os amadores. Os profissionais já saíram há muito tempo. O investidor estrangeiro não quer nem estudar Brasil. As alocações de grandes gestoras de fortunas, como Pragma, BW e coisas parecidas, estão lotadas de investimentos no exterior, com pouco de exposição local. Os fundos macro brasileiros são agora grandes hedge funds globais e detentores de big techs americanas ou ações de alto potencial de crescimento no Sudeste Asiático.

Objetivamente, há hoje correlação positiva entre amadorismo e exposição local. Quanto mais profissional e sofisticado o investidor, maior sua internacionalização. Foco interno dominado por amadores.

3. O Brasil está completamente quebrado

Além de técnico de futebol, todo brasileiro virou também macroeconomista, com especialização em contabilidade nacional.

Gravamos ontem um novo episódio do podcast RadioCash com o Mansueto Almeida — ele é excepcional e, este sim, um grande especialista em política fiscal. Algo que já sabia ficou ainda mais claro: frente ao início do ano, a situação fiscal brasileira melhorou muito, além do que qualquer economista poderia supor.

Não quero, com isso, em nenhum momento, afirmar que superamos nosso desafio fiscal estrutural, que já fizemos o ajuste necessário. Não é o caso. Por favor, não me entenda mal. Ainda não colocamos as nossas dívidas bruta e líquida em trajetória de queda. Enquanto isso não acontecer, teremos trabalho a fazer.

Contudo, objetivamente, por mais que ninguém queira falar em voz alta, talvez com medo de procrastinação adicional das reformas, a verdade é que hoje há alguma sobra fiscal de curto prazo. A dívida/PIB que, segundo os mais pessimistas, bateria 110%, vai encerrar o ano em 82%. Estamos saindo de um déficit primário de 10% do PIB em 2020, para algo como 1,8% neste ano e 1,0% em 2022 — deveríamos fazer alguma coisa perto de 2% de superávit, mas é uma dinâmica bem melhor e aponta a possibilidade de caminhos.

Há poucos meses, acho que foi em março, a projeção do próprio governo para o déficit primário em 2021 era de R$ 287 bilhões. Com a inesperada melhora da arrecadação, a estimativa foi revisada para um déficit de R$ 187 bilhões em maio. Ainda não temos uma expectativa mais atualizada, mas, com a revisão de crescimento esperado do PIB de 3,5% para 5,3%, podemos ter uma nova versão dessa projeção em cerca de R$ 165 bilhões agora ao final de julho.

Isso é importante por duas razões: i) ganhamos tempo para fazer as reformas necessárias ao ajuste fiscal estrutural — a próxima reforma ampla e abrangente brasileira, que deve acontecer só no outro governo é a tributária (com ganhos substanciais de produtividade); e ii) ainda que venhamos a conviver com um provável populismo eleitoral em 2022, não explodiremos nossa âncora fiscal (claro que supondo aqui algum comedimento; não podemos nunca subestimar a capacidade do ser humano de fazer bobagem).

Para mim, essa melhora fiscal não parece estar devidamente incorporada ao preço dos ativos brasileiros, muito defasados em relação ao resto do mundo. Só como provocação: o Ibovespa estava em 120 mil pontos em janeiro de 2020; quanto as Bolsas norte-americanas subiram desde então?

4. No Brasil, até o passado é incerto

Essa é outra clássica também. Suspeito que nem o Malan aguenta vê-la citada mais. Vivemos num país complexo. Sabemos. As coisas estão assim meio complicadas há 521 anos. Não parece razoável supor uma mudança muito expressiva em curto prazo. A banda vai tocar mais ou menos como sempre tocou.

É verdade que o passado é incerto por aqui. Mas ele é também incerto em outros lugares, seja porque a fragilidade institucional de países emergentes é muito grande, seja porque temos uma tendência a olhar o passado como algo muito objetivo e concreto, apoiados naquela ideia do materialismo histórico, como se as condições estivessem dadas para nos levar a um destino previamente escrito. O passado foi apenas a ocorrência de um cenário entre uma distribuição infinita de probabilidades. As coisas poderiam ter sido muito diferentes e por fatores tênues e aleatórios. É o clássico viés da retrospectiva: eu já sabia que isso ia acontecer (depois que aconteceu, claro).

O passado é só nossa interpretação sobre ele. Embora não possamos refazer os fatos objetivos, podemos muito bem reinterpretá-lo, dando uma nova elaboração (com sorte, mais arejada) aos acontecimentos e seus impactos (materiais, emocionais e psíquicos) sobre nós.

Há uma implicação importante disso: se o passado é muito menos rígido e tangível, imagina o futuro… Nossa capacidade de previsão é ínfima.

5. A diversificação é a arma daqueles que não sabem o que estão fazendo

Tenho uma regra comigo mesmo para conversas sobre finanças e investimentos: “Citou o Buffett, perdeu”. O sujeito não consegue pensar com a própria cabeça e então apela para o maior investidor de todos os tempos, se apropriando de um argumento de autoridade para se colocar em posição de superioridade moral e intelectual e dizimar os argumentos do interlocutor.

Imagino que o Taleb possivelmente responderia: “Que ótimo, então vamos diversificar (em ativos convexos), porque normalmente a gente não sabe mesmo o que está fazendo”.

6. Você não vai ficar rico investindo num único ativo

Não é porque uma prática é ruim ou condenável que ela só tenha defeitos ou represente ruína necessariamente. Você pode, sim, ficar rico investindo em um único ativo. Quem comprou uma quantidade razoável de bitcoin há dez anos enriqueceu. Ponto final.

Isso não significa, claro, que seja algo inteligente a se fazer. O problema da concentração não é a ausência de retorno potencial, a impossibilidade de ficar rico. É o risco envolvido.

Bitcoin, até aqui, rendeu lucros a quem investiu de forma concentrada. Mas poderia ter dado bastante errado. Você nunca pode se expor a uma estratégia se ela lhe oferece risco de sobrevivência (financeira).

7. Não invista no que você não entende

Você precisa entender de engenharia mecânica para andar de bicicleta? Ou, então, os pássaros sabem algo de aerodinâmica ou apenas voam?

Taleb resolveu a questão do entendimento no clássico “Understanding Is A Poor Substitute For Convexity”. Você não precisa compreender a vida; você apenas vive. Aliás, alguém aí foi capaz de entender a vida? O mote talebiano central é: como viver num mundo que não entendemos? A gente não entende o mundo. Que ilusão é essa? Que desejo de controle banal. Por isso rejeitamos tanto a volatilidade, porque a ausência dela nos traz a impressão de que entendemos aquele comportamento, podemos controlá-lo. Não podemos.

Concentre-se em entender como um ativo afeta seu portfólio, não em entender o ativo ou a realidade em si. Você não precisa entender as criptomoedas para ganhar dinheiro com elas; basta entender que há um risco enorme, mas um grande potencial de valorização também. Você provavelmente não sabe metade das coisas que vão dentro de um iPhone e, talvez, adoraria ter ações da Apple. Muitos nem sabem o que é o Amazon Web Services e são acionistas da empresa. Eu não faço ideia de como funcionam os algoritmos da Renaissance, mas adoraria ser cotista do Medalion.

8. Você não pode se apaixonar por investimentos

Investir é um ato de longo prazo. E você vai errar várias e várias vezes ao longo do caminho. Em outras vezes, vai perder dinheiro, mesmo tendo tomado uma atitude aparentemente correta — de tempos em tempos, o cenário de menor probabilidade vai se materializar e fazer os sensatos perderem dinheiro. Não há qualquer tipo de justiça divina no mercado financeiro. A deusa que impera por aqui é a Fortuna. Ela seleciona aleatoriamente os seus escolhidos em muitas situações. Sofrem os justos, os injustos, os sensatos, os imprudentes, os gananciosos, os medrosos. Sobra pra todo mundo, sem preconceitos, bem democraticamente.

O mercado costuma ser frio, duro, impiedoso. Impositor de derrotas financeiras, sofrimentos psíquicos e vitórias pírricas. Se você não se apaixonar minimamente por isso, as chances de abandonar o barco na hora ruim são imensas. E você não pode abandonar um jogo de longo prazo no meio. Isso seria trágico. Você precisa persistir. Voltando a Nelson Rodrigues, “sem paixão não dá nem pra chupar um picolé”. Imagina investir…

9. “É difícil ensinar truques velhos a cães novos”

Pra ser sincero, até acho essa frase verdadeira. Mas seu oposto também vale. É bem difícil ensinar truques novos a cães velhos.

Há uma turma automatizada “old school”, que também é uma tentativa de passar por experiente e superior, amante de coisas como: “Pra mim, os preços atuais são todos de bolha; esses valuations não existem, mais de 10 vezes receita”. Daí Méliuz sobe todo dia na cara da pessoa e, claro, o mercado que é idiota (PS: Acho que vai subir quase sem vol até R$ 90, porque mudou o business e o que você está comprando hoje é um opção de isso virar um banco digital relevante com muita tecnologia, além de um negócio de cashback e geração de leads e clientes para grandes varejistas e marketplaces; bom, mas essa é outra história).

“Ah, tenho certeza que você não leu ‘O Investidor Inteligente’.” É claro que eu li. É um belo livro e oferece vários insights relevantes. Acontece que eu li outras coisas também, inclusive a versão comentada de Jason Zweig. Em determinado momento, ele diz: “Uma das críticas comuns feitas a Graham é que as fórmulas da edição de 1972 são antiquadas. A única resposta adequada a essa crítica é dizer: ‘Claro que são!’. São as fórmulas que ele utilizou para substituir as fórmulas da edição de 1965, que substituíram as fórmulas da edição de 1954, que por sua vez substituíram as da edição de 1949, que eram um desenvolvimento das fórmulas originais que ele havia apresentado em 1934 no livro “Security Analysis”.

Se não tivesse falecido em 1976, Graham teria escrito quantas novas edições e atualizado as fórmulas quantas outras vezes?

O value investing clássico e original requer a recorrente, dinâmica e eterna revisitação da proposta clássica e original do value investing. É da natureza dele a adaptação a novos tempos. Como usar as métricas de Graham para analisar empresas como Méliuz se elas nem existiam àquela época?

10. “Todo COE é ruim”

De novo, a ideia de condenar algo geral por uma característica particular. Halo Effect clássico.

Não há nada de errado com o COE. Ao contrário, sua ideia original é ótima, inclusive bastante talebiana. Você reduz seus prejuízos potenciais e se expõe a possíveis bons retornos. Pouco a perder, muito a ganhar. Parece bom, não?

Mas como o monopólio na distribuição de COEs trouxe produtos absurdamente caros, com taxas abusivas, sem transparência e com uma matriz de payoff ruim, condenamos todo o produto. Parece inteligente falar mal de COE. O problema não é o COE, que, aliás, é bom originalmente — vários grandes investidores montam por si só estruturas de payoff muito parecidas às dos COEs (de forma bem simples e grosseira, se você compra uma ação e uma put, é mais ou menos isso que você está fazendo). O problema é o quanto, historicamente, roubaram o investidor de varejo nesse produto — desculpe o termo “roubar”, muito agressivo, né? A realidade realmente insiste em sua agressividade, às vezes até tarantinesca.

Gosto da ideia dos COEs e adoraria ver a oferta de alguns bem montados, com taxas razoáveis, transparentes e boas matrizes de payoffs.

Seguiremos aqui cheios de defeitos, porém perseguindo verdades além dos clichês politicamente corretos que nos servem de mapas errados. Encerro da forma com que comecei, recorrendo a Nelson Rodrigues: “Perfeição é coisa de menininha tocadora de piano”. A verdade é cheia de defeitos, mas ela ainda é preferível à mentira.