Em documentos apresentados à Justiça dos Estados Unidos, obtidos pelo Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, a Americanas afirma que os bancos credores ajudaram a secar seu caixa após a descoberta de rombo de R$ 20 bilhões, o que teria provocado um “efeito catastrófico” na empresa. A atuação dos credores, congelando recursos e antecipando dívidas, diz a varejista, a impediu de continuar operando no dia a dia e a forçou a entrar com pedido de recuperação judicial no Brasil e também a requisitar sua extensão para os EUA.

O pedido à Justiça americana – aceito ontem pelo juiz da Corte de Falências de Nova York, Michael E. Wiles – cita várias vezes decisão do BTG Pactual (BOV:BPAC11) de tentar reter R$ 1,2 bilhão da Americanas como garantia de pagamento de parte da dívida. O bloqueio desse valor foi dado em liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A empresa culpa ainda o BTG por, supostamente, ter influenciado a postura de outros credores. “Com a entrada da ordem de suspensão, outros bancos começaram a bloquear o acesso da Americanas a crédito e recebíveis, drenando um adicional de R$ 3 bilhões (US$ 580 milhões) de caixa que, de outra forma, seria usado para financiar suas atividades comerciais normais”, diz a varejista na petição.

Com isso, as reservas em caixa de aproximadamente R$ 8 bilhões (US$ 1,55 bilhão) disponíveis no fim de 2022 rapidamente teriam encolhido para “algumas centenas de milhões de reais”, volum insuficiente para cobrir as despesas operacionais do grupo. Diante da falta de dinheiro, a Americanas diz que “não teve opção” a não ser entrar com um pedido de recuperação judicial na Justiça do Rio de Janeiro. Procurado, o BTG não se pronunciou sobre o caso.

Reação

Como o Estadão mostrou, os bancos contestam a versão dada até agora pela Americanas e tentam, na Justiça, responsabilizar diretamente o trio de investidores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira pelo rombo de caixa da companhia. Representantes de bancos credores afirmaram não acreditar, em razão de fatores anteriores à deflagração da crise, que o comando da varejista ignorasse a existência de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões.

Essa batalha judicial deve extrapolar os tribunais brasileiros. O Bradesco já trabalha com seus advogados para entrar com processos também nos Estados Unidos e na Europa. Seria o primeiro desdobramento jurídico do caso Americanas envolvendo um credor da companhia no exterior.

As relações entre a empresa e os bancos credores azedaram de vez depois que os acionistas publicaram nota, no domingo passado, para dizer que não tinham conhecimento do rombo e sugerir que os bancos credores também teriam responsabilidade no caso, por não terem encontrado antes indícios de irregularidades nos balanços.

O Itaú Unibanco (BOV:ITUB3) (BOV:ITUB4), credor de R$ 2,9 bilhões, classificou a sugestão como “leviana”, enquanto o Bradesco (R$ 4,8 bilhões a receber) disse que era uma tentativa de “desviar a atenção do problema central, ou seja, a falta de consistência dos números das demonstrações financeiras e as responsabilidades dos seus dirigentes sobre tal fato”.

‘Saudável’

Ainda pelos documentos apresentados à Justiça dos EUA, a direção da Americanas (BOV:AMER3) afirma que até o começo de 2023 era “financeiramente saudável”, com 100 mil funcionários e R$ 8 bilhões em caixa. Por sua versão, isso mudou com a tentativa dos bancos de antecipar a cobrança de empréstimos do grupo.

“Apesar de a Americanas ter feito progressos nas negociações com credores, alguns deles já tinha enviado comunicados de default”, afirmam os advogados da varejista. Com isso, os bancos passaram a fazer compensações, bloqueando recursos do grupo para honrar suas dívidas, além de terem congelados novos financiamentos.

A decisão de recorrer à Justiça dos EUA – que já aceitou o pedido – foi definida em uma reunião de diretoria no último dia 23, com a presença do atual CEO, João Guerra Duarte Neto. Como representante legal nos EUA, a Americanas designou o advogado carioca Antonio Reinaldo Rabelo Filho.

Uma das razões para pedir proteção dos ativos nos EUA é que a Americanas fez duas emissões externas em 2020, de US$ 500 milhões cada. Os papéis vencem em 2030 e os investidores que adquiriram esses títulos estão organizando um grupo para poder participar das negociações com a empresa na recuperação judicial. Esse grupo de estrangeiros deve se juntar a investidores brasileiros detentores de debêntures da empresa, que juntos somam quase R$ 16 bilhões em títulos de dívida da Americanas.

Tribunal aceita pedido do Bradesco e ordena apreensão de e-mails

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) aceitou pedido do Bradesco e determinou ontem a busca e apreensão de e-mails de executivos e funcionários da Americanas, em caráter de urgência. A companhia pode recorrer.

O TJ determinou a cópia de todas as caixas de e-mail institucionais de diretores atuais e anteriores da Americanas que tenham ocupado os cargos nos últimos dez anos; de membros do conselho de administração e do comitê de auditoria da empresa, o que inclui também os que ocuparam tais postos na última década; e de ex e atuais funcionários da área de contabilidade da varejista.

Entre os alvos, estão o acionista Carlos Alberto Sicupira, Paulo Alberto Lemann, representante de Jorge Paulo Lemann no conselho, e o ex-CEO Miguel Gutierrez.

A defesa do Bradesco (BOV:BBDC3) (BOV:BBDC4) pediu a produção antecipada de provas por entender que ela poderiam se perder. De acordo com os advogados do banco, é por meio das provas e de uma perícia forense que se pode determinar os responsáveis pelo que qualifica como “fraude contábil”.

Na quarta, o TJ-SP tomou decisão parecida em favor do Itaú, negando, entretanto, a realização de depoimentos com acionistas e ex-executivos da Americanas. Em ambos casos, os advogados dos bancos argumentaram que a Justiça de São Paulo é o foro adequado para as ações porque os contratos firmados com a Americanas assim determinam.

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