Na melhor notícia para o setor aéreo desde a tragédia da
covid-19, a Azul (BOV:AZUL4) e a
Latam anunciaram hoje um acordo de codeshare,
propondo-se a compartilhar a venda de passagens e o atendimento aos
clientes.
Numa estrutura nitidamente endereçada ao CADE, as companhias
limitaram o acordo às rotas domésticas onde elas não têm
sobreposição.
A perspectiva de um mercado mais racional fez a ação da Azul
subir cerca de 6% — e a Gol decolou em simpatia, com alta de
4%.
O acordo vem num momento em que a Azul está voando com 20% de
sua capacidade, e depois da LATAM pedir recuperação judicial em
Nova York — deixando de fora a operação brasileira para continuar
elegível ao crédito do BNDES.
Mas no mercado, a leitura geral é de que a parceria pode ser
apenas o primeiro passo rumo a uma fusão entre as duas companhias,
no momento em que muitos investidores questionam se ainda há espaço
para três grandes aéreas no Brasil pós-covid.
Acordos de codeshare são comuns no setor aéreo, mas geralmente
envolvem empresas tentando complementar sua malha internacional com
acesso a outros países. No mercado doméstico, no entanto, esse tipo
de acordo é quase sem precedentes.
Um raro caso foi o acordo entre a velha Tam e a Varig, feito um
pouco antes da última abrir falência. No início dos anos 2000, no
México, um acordo do tipo também foi feito entre duas companhias
locais, mas ambas — como as brasileiras hoje — tinham sérias
dificuldades financeiras.
Perguntado se a parceria seria o prelúdio de uma fusão, o CEO da
Azul, John Rodgerson, foi evasivo: “O que eu diria é o seguinte:
vamos começar com codeshare, vamos começar com passageiros, vamos
nos ajudar nesse sentido…”
Inicialmente, o acordo inclui 50 rotas domésticas não
sobrepostas chegando e saindo de destinos como Brasília, São Paulo,
Belo Horizonte, Recife e Curitiba. Mas o escopo poderá ser ampliado
para outras cidades ao longo dos próximos meses.
Rodgerson disse que o acordo não tem prazo de duração definido e
que “há incentivos de ambos os lados para ajudar a crescer a
parceria.”
O codeshare também envolve os programas de fidelidade das duas
companhias, o Tudo Azul e o Latam Pass. Num primeiro momento, os
usuários poderão escolher em qual programa acumular suas milhas
quando voarem com qualquer uma das companhias. Uma evolução
natural, segundo Rodgerson, será permitir também o resgate
compartilhado dos pontos.
O acordo de codeshare ainda precisa ser aprovado pelos órgãos
reguladores. Cleveland Prates, consultor e ex-conselheiro do CADE,
acredita que a aprovação deve ocorrer, mas com prazo de duração.
“Um acordo de codeshare é menos complicado [de aprovar] do que uma
fusão, e as empresas têm um trunfo agora que é a pandemia,”
disse.
Sobre uma eventual fusão, ele diz que poderia fazer sentido dado
o ambiente atual e os ganhos de eficiência que traria. “Com uma
fusão, elas poderiam ter um ajuste de oferta, reduzindo a frota
para se adequar à nova realidade.”
A ironia do anúncio de hoje não passará em brancas nuvens: antes
da covid, o setor discutia a entrada de empresas low-cost
e o aumento da concorrência; agora, a possibilidade de um duopólio
é vista como uma questão de sobrevivência.