O empresário Flávio Rocha anda otimista com o futuro. Tanto com
a retomada da economia brasileira no pós-pandemia, que ele acredita
que será em “V”, como com os planos de seu grupo, uma potência que
faturou R$ 7,8 bilhões no ano passado.
A Riachuelo (BOV:GUAR3), com mais de 320 lojas
e presença em todo o País, se prepara para dar um grande salto
digital e lançar um marketplace, em que plugaria outras marcas de
setores ligados a estilo de vida. “É a prioridade para este ano”,
diz Rocha.
Nesse grande marketplace, diz o empresário, será possível vender
tudo o que está relacionado com moda e estilo de vida como fitness,
gastronomia, turismo, cultura. “Esse é um mundo ainda não
preenchido no meio digital brasileiro”, afirma.
Na visão dele, trata-se de um projeto que pode mudar
completamente a cara do grupo e fazer com que a Riachuelo tome
conta de um grande espaço do pulverizado mercado. “É a estratégia
do ‘the winner takes all’”, diz Rocha.
“Nesse novo mundo, no modelo que estou falando,
o player da moda não terá 2% de market
share. Poderá ter mais de 30% de market share”,
diz o empresário. Para isso, ele diz contar com uma poderosa arma:
relevância, recorrência e os dados de 32 milhões de consumidores
que têm o cartão de sua financeira Midway.
A Midway, aliás, estava se preparando para virar um banco
múltiplo. Caminhava para os processos finais de autorização do
Banco Central, mas, na quarta-feira, 15 de julho, anunciou a
desistência em fato relevante. “Foi uma decisão difícil, mas
percebemos que dá para ser banco perante o cliente sem ser banco
perante o BC”, diz Rocha.
A ideia é transformar a Midway também num marketplace de
produtos financeiros e fazer isso como outras fintechs já fazem,
sem as amarras estipuladas pelo Banco Central no caso de um banco
múltiplo.
Paralelo a esses movimentos, o grupo passou a olhar com mais
atenção a migração de suas ações para o Novo Mercado da B3, um
desejo antigo de Rocha, mas que esbarrava na resistência de seu
pai, o lendário Nevaldo Rocha, que faleceu em junho
passado.
“Não há motivos para ficarmos fora do Novo Mercado. É o caminho
natural da empresa”, diz Rocha. “Agora é hora de gerar valor.” Essa
migração, que unificaria as ações do grupo em uma classe ON, traria
mais liquidez para a Guararapes. Isso porque mostraria ao mercado
que a empresa estaria no mais alto grau de governança e também
aumentaria o free float das ações na bolsa.
Atualmente, apenas 17% das ações da Guararapes são negociadas na
bolsa – o restante está nas mãos da família controladora. Ao ir
para o Novo Mercado, ela aumentaria essa participação para 25% e
traria mais apetite por parte de grandes investidores. Para efeito
de comparação, o free float de sua concorrente
Renner está em 98,72%. E isso é refletido no valor de mercado de
ambas companhias.
Enquanto as ações da Guararapes são negociadas a um múltiplo de
17,37 na relação preço/lucro, as ações da Renner são negociadas a
um múltiplo de 33,83. Na quinta-feira, 16 de julho, a Guararapes
valia R$ 8,95 bilhões na bolsa e a Renner contava um valor de
mercado de R$ 32,9 bilhões.
“Temos uma carteira de imóveis maravilhosa que o mercado
financeiro não precifica. Temos um shopping fenomenal, fábricas,
lojas, centros de distribuição, as marcas da empresa, a operação
financeira. O mercado não está precificando isso”, diz Rocha, que
não descarta desmembrar os imóveis do grupo em uma outra operação
no mercado de capitais. Acompanhe os principais trechos da
entrevista:
Qual foi o impacto da pandemia para as suas
empresas?
O nosso setor foi um dos mais atingidos no curto prazo. Você pega
os dados da Cielo e vê que a queda foi da ordem de 95%. Mas também
é um setor que responde muito rapidamente. As vendas das lojas que
já abriram estão muito parecidas com as vendas do ano passado. E
estamos constatando o fenômeno do revenge spending. Esse é um fato
já constatado no pós-guerra e o pós-pandemia é como se fosse um
pós-guerra. São as épocas de auto indulgência, de exuberância da
moda. Não estou entre aqueles que acreditam que vamos encontrar um
consumidor assustado, arredio, recluso. Ao contrário. Tão logo
passe o susto, virá a retomada em “V”, que já estamos começando a
constatar.
Mesmo com todas as demissões e aumento do desemprego,
você acha que teremos uma retomada em “V”?
Acho que o Brasil, nesse aspecto, teve uma performance
impressionantemente boa. As medidas de retenção do emprego foram um
“case” mundial. Como, felizmente, temos uma equipe econômica
responsável fiscalmente, o mercado irá assimilar esses dez pontos
percentuais do aumento do endividamento.
O grupo demitiu nesse período?
Pontualmente. Demitimos em alguns postos e admitimos em outros.
Crescemos no call center, a área de TI foi muito demandada. Há,
realmente, um redesenho dos negócios e das atividades. No acender
das luzes do pós-covid, vamos nos revelar como a grande empresa
digital do lifestyle, de moda. Teremos uma presença digital
impressionante. Nosso modelo de negócio foi adaptado e flexível
para um aumento explosivo de demanda para os canais digitais.
Tivemos um aumento de 700% do canal digital. Graças ao nosso modelo
logístico de fast fashion, que tem uma alocação muito pequena para
cada loja e, a cada venda de um produto, a fila anda, a gente teve
flexibilidade para redirecionar isso para o canal que está sendo
demandado, no caso o digital.
Vocês usaram muito ferramentas como WhatsApp para as
vendas?
Criamos um programa chamado Riachulovers, no qual os nossos 40 mil
colaboradores se tornaram vendedores via suas redes de
relacionamento. Isso já está representando praticamente um terço
das vendas do canal digital. Agora em agosto, todas as lojas se
tornam minis centros de distribuição para atender sua área primária
a partir do canal digital. Vamos sair dessa pandemia provavelmente
como a líder de venda online de vestuário.
Que outros passos estão no horizonte?
Isso cria massa crítica para nos tornarmos um grande marketplace de
tudo o que está relacionado com moda e estilo de vida, que é
fitness, gastronomia, turismo, cultura. Esse é um mundo ainda não
preenchido no meio digital brasileiro que corresponde a um terço do
dinheiro que circula na internet e metade do conteúdo. Nosso setor
ainda se enxerga como loja de moda, de vestuário, nós já nos
enxergávamos há mais tempo como um grande hub digital de satélites
que circulam ao redor da moda.
A Riachuelo vai criar um marketplace?
Sem dúvida, essa é a prioridade para este ano. Outra coisa, estamos
em um mundo, como pude ver em uma viagem recente que fiz à China,
que “data is the new oil” (dado é o novo
petróleo). Agora, estamos descobrindo que a informação mais
rica, mais detalhada, mais completa do consumidor, não é a sua
conta corrente, seu dado financeiro. São seus hábitos de consumo de
moda. É isso que dá o retrato multifacetado, rico, detalhado de uma
família de consumidores. O banco sabe o quanto se gasta, mas a loja
de moda e lifestyle, sabe a idade dos filhos, qual
estilo de vida daquela mulher, os lugares que ela frequenta. É uma
visão muito mais rica que permite construir esse grande marketplace
com base em uma informação muito mais detalhada. Acredito que o
grande superapp de consumo será construído em cima do conhecimento
do estilo de vida do cliente.
E vocês já estão estruturando isso?
Estamos e temos um banco de dados de 32 milhões cartões da
Riachuelo. Para ser o superapp de moda, os dois ingredientes
básicos são recorrência e relevância. O cliente tem de estar nesse
superapp várias vezes por dia. Para isso, estamos nos valendo dos
nossos múltiplos pontos de contato que temos com o cliente.
Primeiro, meios de pagamento, os 32 milhões de plásticos que estão
se transformando em downloads do nosso app financeiro. O cliente
está entrando, vendo seu saldo, recebendo o seu salário. Esse é um
ponto fundamental. Depois, o conteúdo rico de estilo de vida e, por
último, a forte presença física de nossas lojas. A loja passa a ser
o templo da marca. É o momento onde o cliente navega
concomitantemente no físico e no digital.
Como seria isso?
Não vai mais ter esse instante de navegar no celular e navegar na
loja. Não, ele entra na loja com o celular, e em breve haverá um
projetor retinal, e esse equipamento dará um complemento através de
ferramentas, como realidade virtual e inteligência artificial, para
completar todas as informações dos produtos. Por exemplo, entra em
um supermercado, vê uma alface e descobre quanto de agrotóxico tem
naquele pé de alface, quando foi colhido, é o que o Jack Ma
(fundador do Alibaba) chama de smart retail, o uso concomitante do
físico e do digital. Vamos sair do pós-pandemia muito bem armados
para sermos o grande superapp de estilo de vida que o consumidor
brasileiro precisa desesperadamente e ainda não sabe.
A empresa já está conversando com parceiros para esse
superapp?
Sem dúvida, já estamos conversando e fazendo uma filtragem muito
rigorosa.
O que entraria nesse marketplace, além de
moda?
Produtos de beleza, pequenos eletrônicos, produtos para casa,
linhas pet, linha infantil. Nosso marketplace será o ambiente mais
desejado pelos sellers.
Quantas marcas podem entrar nesse
marketplace?
O céu é o limite. Você olha para players como Amazon, o número de
SKUs se mede na casa das dezenas de milhões.
O que isso pode representar para o grupo?
Da mesma forma que evoluímos cinco anos em cinco semanas de
inclusão digital, poderemos falar de cinco anos em cinco semanas de
consolidação. A consolidação vinha acontecendo no nosso setor até
rapidamente porque o nosso setor é o mais pulverizado. Se você
pegar Renner, Riachuelo, C&A, Hering, Marisa, não dá 10% de
participação de mercado. Agora vamos dar um salto. Por definição, o
mundo digital é muito menos democrático do que o mundo físico.
Por quê?
No mundo físico, cada lojista que tem os seus 5 metros de portinha
conta com os seus 5 segundos de oportunidade quando o cliente passa
andando pelo shopping. Se o cliente entra por uma porta do
shopping, vai até o fim e volta, ele passou na frente de 300 lojas.
Todos tiveram os seus 5 segundos de fama. O mundo digital é o mundo
do the winner takes all. No shopping, tem espaço para trezentos
lojistas, mas não vai existir 300 aplicativos de moda no mobile do
cliente, vai existir só um. Essa é a disputa que estamos travando.
Quem vai ser esse vencedor? Será quem tiver mais relevância e
recorrência.
Mas você vai encontrar competidores como Dafiti,
Netshoes, entre outras marcas…
Cada um com seus pontos fortes e fracos. O que enumero como pontos
relevantes? Uma presença física é muito importante porque, no mundo
da moda, é fundamental o encontro dos dois canais para ver a
percepção do valor. Depois, a questão dos meios de pagamento.
Estamos batendo recordes de downloads. Isso é um fator de
relevância e recorrência. A força da marca também é muito
importante.
Você tem falado da questão de meios de pagamentos. Na
quarta-feira, 15 de julho, o grupo Guararapes soltou um fato
relevante dizendo que desistiu de tornar a Midway, o braço
financeiro do grupo, em um banco múltiplo, como estava sendo
requerido ao Banco Central. Por quê?
Pois é, foi uma decisão difícil, o processo já estava caminhando
quase para o fim. Mas vimos que plataforma tem de ser flexível.
Ficamos preocupados com a necessária camisa de força regulatória de
passar para banco. Seria um processo natural passar para banco, mas
vamos aplicar o conceito de marketplace também nos produtos
financeiros. Dá para ser banco perante o cliente sem ser banco
perante o Banco Central.
Há muito se fala de o Grupo Guararapes migrar para o
Novo Mercado da B3 e aumentar o free float das ações. Isso vai
acontecer?
Sem dúvida. A cabeça agora é gerar valor. Eu e minhas analogias.
Costumo comparar o papel da Guararapes, que incorpora a Riachuelo,
como se fosse uma caixa de sapato opaca numa gôndola de um
supermercado onde você tem lá dentro um pote de iogurte, um queijo
francês, um rolo de papel higiênico e um tubo de pasta de dente.
São de grande qualidade, muito desejáveis, mas que não mostram
sinergia um com o outro. Fica até difícil para o mercado de
capitais descobrir que ali tem quatro bens de ótima qualidade. O
que vamos fazer é abrir essa caixa de sapato e gerar valor. Temos
uma carteira de imóveis maravilhosa que o mercado financeiro não
precifica. Temos um shopping fenomenal, fábricas, lojas, centros de
distribuição, as marcas da empresa, a operação financeira. O
mercado não está precificando isso. Vamos dar visibilidade e já
temos governança do melhor patamar. Hoje, o mercado precifica as
empresas não apenas pelo que está escrito no balanço, é muito mais
pelo propósito.
De que forma?
Olha a Tesla, do Elon Musk. As ações estão sendo precificadas pelo
sonho e o pelo propósito. Quanto vai valer a Tesla se o sonho do
Elon Musk, que é ter uma frota mundial, mais sustentável,
ecológica, com base em uma tecnologia revolucionária de carro
elétrico, se concretizar? Não são os indicadores da Tesla. Então, o
que vai realmente revelar o valor, além de abrir essa caixa de
sapato, é mostrar que somos 40 mil missionários da democratização
da moda e vamos democratizá-la a partir desse superapp.
Mas quando vocês vão para o Novo Mercado?
Não sabemos ainda a data, mas não há motivos para ficarmos fora do
Novo Mercado. É o caminho natural da empresa, que está indo para a
terceira geração (da família), de capital aberto desde os anos
1970, que já está nesse patamar de governança.
Seu pai, o seu Nevaldo, não queria isso…
É, eu tirava o máximo proveito da companhia do meu pai evitando
temas que me afastavam dele, como esse. Sua morte foi uma perda
grande, mas não vou mais desagradá-lo fazendo o que tem de ser
feito naturalmente, dando os próximos passos. Para construir esse
sonho, é fundamental revelar valor e, para perenizar a empresa, é
fundamental estar no grau mais elevado de governança.
Mas vocês pensam em dividir os ativos e fazer outros
IPOs dos negócios?
A integração e a sinergia que existe entre tecelagem, confecção,
varejo e meio financeiro nos tem feito muito bem. É a gestão do
fluxo, do fio até a última prestação. Queremos preservar essa
sinergia. Mas tem ativos menos estratégicos. Talvez os imóveis
possam ser tirados da caixa de sapato. Hoje, 30% da nossa área de
vendas é própria.
Fonte NeoFeed
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