Em sua batalha para voltar ao crescimento depois do tumulto
causado pela pandemia, o grupo aeroespacial e de defesa brasileiro
Embraer está imaginando um futuro, nem tão distante, de táxis
voadores e aviões elétricos.
Mas em seu esforço por dobrar seu faturamento em cinco anos, a
terceira maior fabricante de aviões comerciais do planeta deposita
suas esperanças em uma previsão mais prosaica: a de que a
recuperação nas viagens aéreas envolverá uso maior dos jatos de
passageiros de menor porte que são seu nicho de mercado.
Depois de anos de desordenamento no setor mundial de aviação, a
Embraer deve sair do vermelho em 2022, de acordo com seu
presidente-executivo Francisco Gomes Neto.
“Esperamos produzir lucro líquido, ao final do ano. Esse é um
passo importante”, ele disse ao Financial Times em uma entrevista
na sede da Embraer, em São José dos Campos. “Nosso plano é de um
grande crescimento… isso se segue à retomada dos voos domésticos,
que é a função à qual nossos jatos se enquadram”.
Uma disparada de 45% nos preços de suas ações fez da empresa a
companhia de melhor desempenho no índice Bovespa, a referência do
mercado brasileiro de ações, em 2021. Depois de demitir 2,5 mil
trabalhadores durante a pandemia, uma campanha de melhora de
eficiência e redução de dívidas ajudou a Embraer a voltar a um
fluxo de caixa livre positivo. Ao acelerar a produção, a empresa
anunciou recentemente a criação de mil novos postos de
trabalho.
Mas para convencer os investidores, especialmente depois de uma
queda acentuada em suas ações este ano, a Embraer (BOV:EMBR3)
precisa superar o ceticismo quanto à sua capacidade de se expandir
ainda mais, em um setor de aviação civil dominado pela Boeing e
Airbus.
As dúvidas quanto à forma e direcionamento futuros de uma
empresa vista como a joia da coroa na indústria brasileira foram
agravadas pelo colapso acrimonioso de um plano de união com a
Boeing. Não muito depois que os aeroportos foram fechados, no
início da pandemia, a gigante americana encerrou um acordo de joint
venture que teria lhe dado 80% de participação nas operações de
aviação comercial da Embraer, por US$ 4,2 bilhões (R$ 20,9
bilhões).
Gomes Neto descartou quaisquer vendas de ativos importantes ou
uma cisão da empresa, declarando que “estamos abertos a outras
parcerias, mas não do tipo que desmembraria a companhia ou
envolveria a venda de alguma de suas partes”. Com a meta de
duplicar a receita reduzida do ano passado, para cerca de US$ 4,2
bilhões anuais até 2026, ele acrescentou que o maior potencial
estava em elevar o faturamento da divisão de aviação comercial.
A Embraer é a maior produtora de jatos de transporte regional,
que tradicionalmente tem até 120 assentos, servem a trajetos mais
curtos e são mais populares na América do Norte.
A empresa antecipa que entregará de 60 a 70 aviões civis em
2022, ante 48 no ano passado, e pode chegar a um total próximo das
100 unidades anuais no final do período de cinco anos, disse Gomes
Neto. Em comparação, a Airbus planeja produzir 720 jatos por
ano.
No último quarto de século, as companhias de aviação migraram
para aviões de maior porte, em um esforço para ganhar eficiência no
uso de combustível e reduzir os custos unitários.
Um pilar da estratégia da Embraer é o seu avião “E2” de médio
alcance, a segunda geração de sua família E-Jet, e um avião maior
do que sua linha principal de modelos regionais. Capazes de
transportar entre 80 e 146 passageiros, os novos modelos se
enquadram mais ao mercado convencional de jatos de fuselagem
estreita e, segundo a companhia, produzem menos ruído e menos
emissões de dióxido de carbono por assento.
Executivos da Embraer acreditam que haverá mudanças nos padrões
do transporte aéreo depois da Covid-19, com crescimento menor nas
viagens aéreas, menos viagens de negócios e mais pessoas se mudando
para cidades pequenas, o que favoreceria o uso dos jatos menores
que ela produz. “As companhias de aviação vão procurar por aviões
que atendam a esse nível de demanda”, disse Rodrigo Silva e Souza,
vice-presidente de marketing de aviação comercial da Embraer.
Mas a fabricante brasileira continua de fora da categoria de
aparelhos onde existe mais demanda por parte das companhias de
aviação, disse Stephen Trent, analista do Citi.
“A posição que eles ocupam no mercado aeroespacial mundial, no
momento, certamente parece oferecer perspectivas melhores do que as
que eles tiveram nos dois últimos anos”, ele disse. “Mas, em longo
prazo, continuo preocupado por não existirem tantas companhias de
aviação assim superinteressadas naquela categoria de avião”.
Nos 10 anos até 2031, a projeção é de que sejam entregues 13 mil
aviões com capacidade superior a 150 passageiros, de acordo com
dados da consultoria Cirium. Para os jatos regionais de entre 85 e
150 passageiros, a categoria na qual a Embraer opera, a previsão é
de apenas 3,5 mil entregas.
A companhia brasileira precisa ter em mente o destino de sua
adversária histórica nos jatos regionais, a Bombardier, antiga
campeã da indústria canadense, que quase faliu depois de tentar
competir diretamente com a Airbus e Boeing no mercado de jatos de
passageiros convencionais com a C-Series, composta por modelos
pequenos e de fuselagem estreita. As duas rivais maiores derrotaram
a desafiante e a tiraram do mercado; o programa C-Series foi
vendido à Airbus em 2017 e a Bombardier abandonou completamente o
campo da aviação comercial, para se concentrar em jatos
executivos.
“Continuamos a antecipar que os aparelhos maiores da Airbus e
Boeing dominem o mercado de jatos de fuselagem estreita, o que
inclui a categoria de modelos menores”, disse Rob Morris, que
comanda a divisão mundial de consultoria da Cirium, a Ascend by
Cirium.
Excetuada a similaridade entre seu modelo E195-E2 e a C Series
da Bombardier, agora conhecida como Airbus A220, na maioria dos
segmentos de negócios a Embraer não concorre diretamente com a
Boeing e Airbus, dizem executivos da empresa brasileira. No
entanto, o menor dos três modelos de sua família E2 enfrenta um
obstáculo em termos dos contratos sindicais dos pilotos americanos,
que limitam o peso e capacidade dos aviões empregados pelas
afiliadas regionais das grandes companhias de aviação.
Fora da aviação comercial, que responde por cerca de um terço
das receitas do grupo, a Embraer está se beneficiando de um boom
mundial de jatos executivos. A empresa antecipa vender até 110
deles em 2022, ante 93 em 2021.
Embora o ritmo possa se desacelerar nos próximos anos, disse
Gomes Neto, haveria uma “aterrissagem suave”, com crescimento
continuado. “Temos toda nossa produção vendida praticamente até o
final de 2023, e já estamos vendendo para entrega no segundo
semestre de 2024”, ele disse.
O executivo acrescentou que tensões geopolíticas causadas pela
guerra na Ucrânia haviam elevado o interesse por dois dos aviões
militares da Embraer: o avião de combate A-29 Super Tucano e o
avião de transporte C390 Millenium —ainda que a força aérea
brasileira recentemente tenha reduzido seus pedidos deste último
modelo de 28 para 22.
Outra aposta para o futuro é em um avião elétrico de decolagem e
pouso vertical, conhecido pela sigla eVTOL. A divisão Eve da
Embraer, recentemente cindida em forma de uma Spac (companhia de
aquisição para propósitos especiais) nos Estados Unidos, tem
pedidos em valor de US$ 5 bilhões (R$ 24, 9 bilhões) e quer iniciar
operações comerciais em 2026.
Embora as ações de diversas Spacs semelhantes que desenvolvem
táxis aéreos tenham despencado, porque os analistas estão
preocupados com as expectativas exageradas quanto ao setor,
analistas e executivos dizem que o histórico de teste e
certificação da Embraer dá vantagem à empresa sobre as startups
rivais. As concorrentes Boeing e Airbus também estão investindo
centenas de milhões de dólares nesse campo.
Outras áreas de interesse incluem uma linha de aviões de baixa
emissão de poluentes que está em desenvolvimento e uma nova geração
de turbopropulsores para companhias de aviação regionais.
Em curto prazo, porém, os investidores vão querer ver uma
melhoria financeira. O prejuízo líquido da Embraer se reduziu a US$
44,7 milhões (R$ 222,7 milhões) no ano passado, ante um déficit de
US$ 732 milhões (R$ 3,6 bilhões) em 2020. Mas uma paralisação da
produção relacionada à reintegração final da divisão de aviação
comercial contribuiu para um prejuízo de US$ 31,7 milhões (R$ 157,9
milhões) no primeiro trimestre.
As ações da Embraer caíram em cerca de 50% até agora este ano, o
que dá à empresa um valor de mercado de cerca de US$ 1,8 bilhão (R$
8,9 bilhões). Seu presidente atribui a queda a uma mistura de
frustração dos investidores quanto às projeções anunciadas pela
empresa, problemas de cadeia de suprimento, e o impacto mais amplo
do conflito ucraniano sobre o mercado de ações. A Boeing também
registrou queda, de 37%, e as ações da Airbus caíram em 5%.
Marjan Riggi, da agência de classificação de crédito Kroll Bond
Rating Agency, destacou o livro de pedidos da Embraer como um ponto
positivo —as encomendas atingem a marca de US$ 17,3 bilhões (R$
86,2 bilhões), o total mais alto em quatro anos— e também mencionou
a recuperação no setor de aviação regional dos Estados Unidos.
“Os números [trimestrais] ainda não parecem ótimos, mas vê-se
uma trajetória bem positiva”, ela disse.
Informações Folha de S. Paulo
EMBRAER ON (BOV:EMBR3)
Gráfico Histórico do Ativo
De Mar 2024 até Abr 2024
EMBRAER ON (BOV:EMBR3)
Gráfico Histórico do Ativo
De Abr 2023 até Abr 2024