A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou nesta segunda-feira (26) a importação da vacina Sputnik V, imunizante russo desenvolvido pelo Instituto Gamaleya contra a Covid-19.
A importação foi rejeitada por 5 votos a 0. Todos os diretores seguiram o voto do relator, o diretor Alex Campos Machado, e das áreas técnicas da agência.
As principais gerências consultadas, a de Medicamentos e Produtos Biológicos, a de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária e a de Inspeção e Fiscalização Sanitária recomendaram aos diretores que rejeitassem o pedido de importação.
Adenovírus replicantes na Sputnik V
A apresentação que norteou os votos foi feita por Gustavo Mendes, gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos. Mendes afirmou que um dos “pontos críticos e cruciais” é, mais uma vez, o risco à segurança em razão dos ditos “adenovírus replicantes”. Segundo ele, esses adenovírus foram encontrados em todos os lotes da Sputnik V vistoriados.
“Isso significa que o vírus que deve ser utilizado apenas para carrear material genético do coronavírus para as células humanas e assim promover a resposta imune, ele mesmo se replica. Esse procedimento está em desacordo com o desenvolvimento de qualquer vacina de vetor viral”, explica Mendes.
Em sua apresentação aos diretores, o gerente citou seis perguntas que disse serem “cruciais” e que não teriam sido respondidas até agora pelos documentos apresentados, diante da presença dos adenovírus replicantes.
“Perguntas cruciais não respondidas:
1. Os vírus replicantes podem permanecer por quanto tempo no organismo humano?
2. Em quais órgãos e tecidos podem ser encontrados?
3. Podem causar algum dano em tecidos e órgãos? Dependente da quantidade?
4. Esses vírus replicantes podem ser transmitidos a outras pessoas?
5. O que significa em termos de segurança para quem receber a vacina?
6. Risco aumentado de eventos adversos? Tromboembólicos? Outros?”
Segundo a gerente Ana Carolina Moreira, os dados apresentados pelos russos demonstram que, neste momento, o risco inerente à fabricação não é possível de ser superado.
De acordo com Mendes, houve uma falha na estratégia do controle de qualidade e a Gamaleya não demonstrou que administra de forma eficiente os processos para gerenciar os outros vírus contaminantes também. Para a área técnica, também não foi informada a análise de segurança da vacina aplicada em grupos específicos, como idosos e pessoas com comorbidades.
Antes da decisão da Anvisa, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) havia aprovado, ainda na segunda-feira (26), a liberação comercial do imunizante russo. A medida foi tomada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), ligada à pasta.
Imbróglio jurídico
Os pedidos de análise foram protocolados no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos estados do Amapá, Ceará, Maranhão e Piauí.
No domingo (25), o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), afirmou que havia o risco de o Brasil não receber o lote de abril da Sputnik V e atribuía à Anvisa a demora na liberação da licença de importação do imunizante.
De acordo com Dias, também presidente do Consórcio Nordeste, a Anvisa faz exigências que não estão previstas em lei. Com o baixo número de vacinas no Brasil, o Consórcio tentava se movimentar para viabilizar 66 milhões de doses da Sputnik V ao país.
“A Lei prevê que seja apresentado a certificação por uma agência reguladora, entre as 16 ali citadas. E isso foi feito pelos estados”, afirmou Dias.
Na última terça-feira (20), a agência reguladora entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a Corte suspendesse o prazo para emitir um parecer sobre a importação temporária da vacina Sputnik V até que o órgão obtivesse dados suficientes sobre o imunizante.
No entanto, o ministro Ricardo Lewandowski negou na segunda-feira (26) o pedido da Anvisa. Segundo o magistrado, o pedido de suspensão feito com base nos requisitos de composição (RDC) nº 476/2021, editada pela própria agência, não pode suspender o prazo limite de 30 dias, estabelecido pelo Congresso Nacional na Lei Nº 14.124.
Sputnik V
No dia 26 de março, a União Química entrou com pedido de autorização para uso emergencial da vacina. A Anvisa, no entanto, chegou a suspender o prazo de análise do pedido de uso emergencial do imunizante devido à falta de parte dos dados exigidos para a avaliação.
Quatro dias mais tarde, a agência reguladora concedeu o certificado de boas práticas para a Inovat Indústria Farmacêutica/União Química, responsável pela produção da Sputnik V.
Esse documento é necessário para obtenção de medicamentos biológicos e garante que as empresas estão cumprindo as práticas necessárias para assegurar a qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos.
Entre os pontos críticos apontados pela Anvisa, que inviabilizam a autorização para importação, estão a falta de um estudo de biodistribuição e poucas informações sobre o nível de toxicidade reprodutiva e de desenvolvimento, além de documentos como o certificado de licenciamento de importação e o certificado de registro emitido pela autoridade sanitária russa.
Eficácia do imunizante
O Instituto Gamaleya de Pesquisa da Rússia, localizado em Moscou, divulgou os resultados preliminares da Sputnik V no dia 2 de fevereiro. Com taxa de eficácia de 91,6%, os dados foram publicados na revista científica “The Lancet”.
O artigo publicado aponta que o imunizante mostrou bom perfil de segurança e induziu “fortes respostas imunes humorais e celulares” em participantes nos ensaios clínicos das fases 1 e 2.
No entanto, a análise do estudo de fase 3 continua em andamento para avaliar a proteção ou possíveis efeitos colaterais em longo prazo. No total, 20 mil voluntários estão envolvidos nesse processo.
Um estudo realizado pelo Instituto Gamaleya, mas que ainda não publicado em revistas científicas, indicou que a vacina mostrou efetividade de 97,6% contra a Covid-19. O resultado foi obtido a partir da análise de 3,8 milhões de pessoas vacinadas com as duas doses.
Fundo russo diz que Anvisa teve motivação política em decisão sobre Sputnik V
O Fundo de Investimento Russo afirmou nesta terça-feira (27) que os comentários da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a vacina Sputnik V estão incorretos.
Em uma publicação no Twitter, o fundo alegou que a decisão da agência brasileira em não aprovar a importação do imunizante foi motivada por razões políticas e não tem nada a ver com acesso à informação ou ciência.
A postagem diz, ainda, que o Departamento de Saúde dos Estados Unidos persuadiu o Brasil a rejeitar a vacina Sputnik V contra a Covid-19 e que o povo brasileiro aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Portas não estão fechadas para Sputnik V, diz gerente de medicamentos da Anvisa
As portas não estão fechadas para a vacina russa contra Covid-19 Sputnik V, disse nesta terça-feira o gerente de medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gustavo Mendes, um dia depois de o órgão regulador rejeitar pedidos feitos por Estados para importar o imunizante.
Em audiência em comissão da Câmara que acompanha a pandemia, Mendes disse que, com os dados que recebeu sobre a vacina até o momento, a conclusão da área técnica da Anvisa foi de que o balanço risco-benefício da Sputnik V não compensa.
Ele lembrou, ao mesmo tempo, que os responsáveis pela vacina russa podem encaminhar à agência dados e documentos que a Anvisa entendem serem necessários e, como existem outros procedimentos que tratam da Sputnik V em aberto no órgão regulador, as portas para o imunizante não foram fechadas.
Uso da Sputnik V em outros países não responde perguntas da Anvisa, diz gerente da agência
O fato de a vacina contra Covid-19 Sputnik V estar sendo usada em outros países não responde aos questionamentos sobre o imunizante feitos pela Agência Nacional de Vigilânca Sanitária (Anvisa), disse o gerente de medicamentos do órgão regulador, Gustavo Mendes, nesta terça-feira, um dia depois de a Anvisa rejeitar pedido de importação.
Em audiência na Câmara dos Deputados, o gerente da Anvisa repetiu os argumentos apresentados na véspera para recomendar a rejeição do pedido de importação da vacina russa acatada por unanimidade pela diretoria colegiada da agência.
“O argumento de que tem sido utilizada em outros países na Argentina, na Rússia e em outros países que têm a vacina aprovada nas agências reguladoras não respondeu às nossas questões.
Por mais que tivéssemos feito esforços para entrar em contato com essas agências reguladoras, colocar essas questões para eles, mas esses dados não foram apresentados para gente”, disse Mendes.
Ele também rebateu o argumento de que a vacina deveria ter sido autorizada após a publicação de dados de eficácia do imunizante na revista científica The Lancet.
“A revista científica The Lancet tem um foco diferente de uma agência reguladora”, disse. “Em nenhum momento o objetivo de uma revista científica é aprovar ou não, recomendar ou não o uso de uma vacina em larga escala. O objetivo é avaliar e reportar dados científicos.”