Proteínas animais feitas em laboratório podem mudar o prato do brasileiro em alguns anosAvançam pesquisas de 'carne cultivada' de bois, vacas, galinhas, porcos e peixes feitas a partir de célula-troncoSÃO PAULO — Até não muito tempo atrás, carne era apenas carne, produto vindo da criação de animais para abate e da pesca. No caso da bovina, os consumidores podiam preferir ao ponto, mal ou bem passada, com ou sem sal ou molho, moída ou não, mas o leque de opções não ia muito além disso.No final da década passada, houve a popularização das "carnes vegetais", feitas a partir d...
Proteínas animais feitas em laboratório podem mudar o prato do brasileiro em alguns anosAvançam pesquisas de 'carne cultivada' de bois, vacas, galinhas, porcos e peixes feitas a partir de célula-troncoSÃO PAULO — Até não muito tempo atrás, carne era apenas carne, produto vindo da criação de animais para abate e da pesca. No caso da bovina, os consumidores podiam preferir ao ponto, mal ou bem passada, com ou sem sal ou molho, moída ou não, mas o leque de opções não ia muito além disso.No final da década passada, houve a popularização das "carnes vegetais", feitas a partir de plantas. Os supermercados se encheram de hambúrgueres à base de uma mistura de extratos, muitos incluindo soja, ervilha, cenoura ou beterraba. Atualmente, as empresas de alimentação estão se preparando para um novo estágio, o da carne de laboratório.Assim como no caso da "carne vegetal", o público-alvo é o de consumidores preocupados com o bem-estar dos animais e os efeitos da criação deles no meio ambiente, mas com uma diferença marcante. A carne feita em laboratório não é para vegetarianos nem veganos. Na essência, é carne mesmo, só que produzida longe das granjas, fazendas, pastagens e mares.Em 70 startups espalhadas em pelo menos dez países, células-tronco de bois, vacas, galinhas, porcos e peixes, guardadas em tubos resfriados a uma temperatura de quase 200 graus negativos, fazem parte de experiências promissoras. Retiradas de um músculo do animal sem necessidade de abate, as células-tronco são levadas a um tanque de agitação, chamado biorreator. Lá dentro são simuladas as condições fisiológicas presentes no corpo do animal, inclusive temperatura.As células, então, recebem um 'caldo' de nutrientes, como açúcares, vitaminas, aminoácidos e proteínas e começam a se multiplicar. Mal comparando, dizem os cientistas, é como fazer a massa de pão crescer. Em três ou quatro semanas, o resultado está pronto.Cientistas e especialistas em marketing ainda não chegaram a um consenso sobre como chamar a carne feita em laboratório. Estão na briga carne cultivada, carne limpa, carne de células ou carne in vitro. Independentemente do nome, o fato é que eles querem colocá-la no prato dos brasileiros até 2024.Churrasco salgadoO primeiro hambúguer foi produzido em 2013 pela empresa holandesa Mosa Meat. A experiência custou US$ 330 mil dólares e levou três meses. Com o avanço das pesquisas, o custo vem caindo e estima-se que a produção de um quilo saia hoje por US$ 500.— O principal desafio agora é levar a produção a uma escala industrial e reduzir o preço — diz Luismar Pontes, consultor e professor aposentado de engenharia tecidual na Universidade Federal de Santa Catarina.Já começam a surgir plantas piloto em diversos países e a meta é que o custo de produção seja reduzido para US$ 30 — cerca de R$ 156 pela cotação do dólar atual.Didier Toubia, um dos fundadores e presidente da Aleph Farms, startup israelense que produz carne em laboratório, conta que as células-tronco são coletadas de um animal vivo saudável. A partir dessa amostra, são selecionadas as melhores células para que se chegue ao sabor ideal . Não há modificação do material genético. Também não é o mesmo processo da clonagem.— Nossas células se auto-renovam quando estão no meio de crescimento (o biorreator), então a clonagem não é necessária — explica Toubia, completando que a primeira planta de produção piloto estará operacional no início de 2022.Para produzir bifes mais grossos e gordurosos (como o lombo), a Aleph desenvolveu uma plataforma baseada no uso de bioimpressão 3D, que dão forma e textura específicas.Por enquanto, essas novidades ainda não estão sendo testadas por aqui. Mas a BRF investiu há alguns meses US$ 2,5 milhões na Aleph Farms, numa parceria para trazer esse produto ao Brasil.— Nosso plano estratégico prevê elevar as receitas da companhia de R$ 40 bilhões para R$ 100 bilhões até 2030 e um dos caminhos é a carne cultivada — diz Marcel Sacco, vice-presidente de novos negócios e inovação da BRF, lembrando que o único país do mundo a ter criado um marco regulatório para o produto até agora é Cingapura, onde já é possível encontrar carne de frango feita em laboratório nos supermercados.O consumo mundial de carne hoje é quatro vezes maior do que há 50 anos. No ano passado, foram produzidas 337 milhões de toneladas, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). A mesma ONU prevê que até 2050, a população mundial chegue a 10 bilhões de habitantes. Seria necessário dobrar a produção mundial de carne, estima a ONU, para acompanhar o ritmo de consumo, tarefa que muitos consideram ambientalmente insustentável.Efeito manadaNão tem faltado investimentos nas start-ups. No ano passado, foram US$ 360 milhões. O valor é quase seis vezes o que elas receberam em 2019. Nessa velocidade, a consultoria americana AT Kearney projeta que o mercado de carne cultivada represente 35% da produção global de carnes até 2040. Em números, serão US$ 630 bilhões de um mercado que gira atualmente US$ 1,8 trilhão por ano.Ainda o potencial seja grande, as empresas têm pela frente o desafio de convencer os consumidores a adotar a novidade. O discurso ecológico certamente será uma ferramenta importante na estratégia de comunicação. Estudos mostram que a carne cultivada reduz o uso da terra em 95%, a utilização de água cai 90% e as emissões de gases entre 74% e 87%.viver de arHá outros caminhos para a produção de proteínas alternativas sendo trilhados, mas que ainda dão os primeiros passos.Na pegada de menor emissão de carbono e maior sustentabilidade, a gigante americana de alimentos ADM começa a trabalhar na produção de ração animal a partir das proteínas de inseto. A empresa firmou parceria com uma startup de biotecnologia francesa, a InnovaFeed, para o projeto. A proteína para a ração virá de uma espécie de mosca — a Hermetia Illucens. A fábrica será construída ao lado do enorme complexo de processamento de milho da ADM, em Decatur, Illinois, nos EUA, e utilizará subprodutos do grão como alimento para os insetos. Grosso modo, nesse processo, a proteína da mosca é separada no laboratório e vira matéria-prima para a ração.— É um primeiro passo para se pensar em alimentação humana a partir dessa proteína no futuro — conta Andrea Lunardini, líder da área de Pesquisa e Desenvolvimento da ADM no mercado brasileiro.Em outra frente de pesquisa, a ADM comprou recentemente a startup americana Air Protein, que desenvolveu uma tecnologia inédita que permite a produção de proteínas a partir do ar. Sim, do ar.Por enquanto, o método está restrito ao laboratório. Numa explicação simplificada, o processo consiste em juntar, numa espécie de tanque, o ar com um mineral, que pode ser ferro ou manganês, além de enzimas e água. O resultado dessa fermentação é um aminoácido.— A próxima fase do nosso trabalho é avançar em como juntar esses aminoácidos para que se tenha no final uma proteína. Também ainda será necessário pesquisar outras coisas, como os tipos de sabor, de textura e dar forma a essas proteínas — conta Lunardini, observando que isso deve levar alguns anos.https://oglobo.globo.com/saude/epoca/proteinas-ani...
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