Controlar a inflação com redução de gastos públicos não requer economistas brilhantes. A frase, dita pelo então presidente da República, José Sarney, logo após o fracasso do Plano Cruzado, ilustra um dos motivos, senão o principal, que leva à necessidade de uma taxa de juros tão elevada no Brasil. Mesmo com as sinalizações da equipe econômica de que o lado fiscal será controlado, o elevado déficit ainda contamina as expectativas e faz com que haja a dominância fiscal em cima da política monetária. Neste quadro, pouco há o que se fazer em termos de taxa de juros, a não ser mantê-la como a mais alta do mundo.
As sinalizações do Banco Central são de que, talvez, no último trimestre, haja cortes modestos, insuficientes para nos aproximar do resto do mundo. Segundo os dados do site especializado em renda fixa Desfixa, enquanto os títulos públicos brasileiros de dez anos rendem juros anuais de 15,83% no mercado internacional, outros países que também não contam com grau de investimento ou até exibem classificação de risco bem inferior oferecem um retorno menor. A Grécia, por exemplo, paga 10,63% ao ano por seus títulos. Já a Venezuela, que passa por uma crise econômica muito mais severa, 11,01%. O segundo país com maior taxa de juros é o Kenya, pagando 14,82%, seguido pela Nigéria (11,77%). Enquanto Standard and Poor’s, Fitch e Moodys atribuem ao Brasil ratings BB, BB+ e Ba2, respectivamente, Quenia recebe as notas B+ pelas duas primeiras agências e é ignorada pela terceira. Já a Nigéria, BB-, BB- e B3.
Além do lado fiscal, outros fatores levam o Brasil a ser tão diferente em relação às outras economias. A política monetária brasileira está relacionada a um histórico de elevadas taxas de inflação e, particularmente a partir da retração do crédito internacional na década de 80, uso da expansão monetária para financiar os déficits fiscais.
Somente há exatos 22 anos, o Brasil contou com uma moeda forte que não precisa perder zeros de quando em quando. Se o Plano Real trouxe como principal ganho a estabilidade, também deixou como legado o forte aperto monetário. As taxas de juros brasileiras foram a níveis exorbitantes e fizeram com que a dívida pública crescesse rapidamente. A qualquer choque externo, a reação do Banco Central era elevar a Selic. Talvez, o aperto fosse até forte demais, numa tentativa de demonstrar que a inflação seria controlada a qualquer custo. O exagero dava credibilidade à política monetária.
O prêmio Nobel Olivier Blanchard dá uma pista sobre esta postura. Sua teoria é de que a própria política de juros altos provoca a necessidade de juros altos. Desta forma, para baixar a taxa de juros com garantia de que a inflação se manterá dentro das metas é preciso reduzir o risco percebido da dívida pública. Para isto, o único caminho direto e seguro a seguir é aumentar o superávit fiscal e reduzir a dívida pública, algo distante hoje. A questão fiscal, que torna o governo concorrente das empresas na busca por poupança privada para financiar seu déficit, leva à necessidade de pagar mais e mais juros, com o objetivo de se tornar atrativo aos investidores.
Nossa história também traz episódios de insegurança jurídica, como a moratória externa e a interna (confisco da poupança), que tornam investidores reticentes em emprestar para o governo no longo prazo. Isso, porém, não basta para justificar as taxas praticadas aqui. Vide algumas das nações listadas acima.
Resta também o perfil do brasileiro, pouco disposto a poupar. A propensão marginal a consumir no país fica ao redor de 75%. Ou seja, a cada R$ 1,00 a mais obtido como renda, R$ 0,75 são destinados ao consumo. Para que o aumento de juros resulte em mais poupança, portanto, é preciso que a taxa seja atrativa. Caso contrário, a preferência será por gastar tudo, como se viu quando o Brasil registrou taxa de juros de um dígito. O resultado foi um boom de crédito e consumo. Com condições favoráveis, foi-se às compras com a ansiedade do período de megainflação, quando, ao cair do salário na conta, corria-se ao supermercado para fazer a “compra do mês”. A remarcação diária de preços da época influenciou a cultura de consumo que, sem o obstáculo dos juros elevados, resulta em inflação. Com uma educação dessas, é injusto culpar o consumidor brasileiro. Mas, mesmo que o gasto do governo seja maior de que seus ganhos, ele também tem culpa.
Bela passagem de conhecimento! Texto muito esclarecedor, embasado e histórico!
Pude entender mais um pouco sobre esse processo de “controle” que nos aflige tanto.
Parabéns mais uma vez, Ana!