A aposta dos mercados financeiros de que os governos no Brasil e nos Estados Unidos levarão a cabo todas as propostas pró-crescimento deve ser testada nesta quarta-feira. Ontem, os negócios já refletiram a desconfiança dos investidores quanto à real capacidade de Donald Trump em encaminhar seus projetos, o que ainda reverbera no exterior hoje. E esse sentimento tende a ganhar força no pregão doméstico, após o recuo do presidente Michel Temer em relação à reforma da Previdência.
A decisão de restringir as mudanças nas regras da aposentadoria aos servidores federais, excluindo os estaduais e os municipais, é uma notícia muito ruim e deve comprometer o ajuste fiscal. Afinal, a exclusão enfraquece o controle de gastos dos estados e municípios, reduzindo a eficiência do acerto nas contas públicas e abrandando as medidas de rigor financeiro.
Além disso, a reforma da Previdência perde aquele caráter de igualar direitos e eliminar privilégios, que vem sendo o discurso do governo para convencer a população da necessidade do projeto, e pesa exatamente sobre aquela massa chamada de “povão”, criando graves problemas a essas camadas. Daí, também fica complicado conseguir o apoio a projetos como a terceirização da mão de obra e a reforma trabalhista.
Ciente disso o governo já vem ventilando outras possibilidade. Ontem, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, afirmou que o governo irá contingenciar entre R$ 30 bilhões e R$ 35 bilhões, quantia que não é suficiente para cumprir a meta fiscal de 2017.
Além desse contingenciamento, Jucá afirmou que será preciso aumentar impostos, a fim de não estourar a previsão de déficit primário em R$ 65 bilhões neste ano. Segundo ele, reajustes em contribuições como as alíquotas de PIS/Cofins, nos combustíveis (CIDE) e/ou no imposto sobre operações financeiras (IOF) estão sendo avaliados.
Mais detalhes sobre corte de gastos e possíveis mudanças em tributos devem ser dados hoje pela equipe econômica, na divulgação do relatório bimestral do Orçamento, que traz a avaliação de receitas e despesas primárias. O horário de divulgação ainda não foi definido.
Contudo, a prévia de março da inflação oficial ao consumidor brasileiro (IPCA-15), que também será anunciada hoje (9h), deve mostrar que há espaço para acomodar um possível choque de preços em virtude de uma alta de impostos. Não se sabe, porém, se também permanecerá inalterada a possibilidade de um corte mais intenso nos juros brasileiros no mês que vem.
Vai depender do número a ser apresentado pelo IPCA-15, que vem surpreendendo positivamente nas últimas divulgações, e o mercado não descarta uma nova surpresa, para baixo. A previsão é de uma forte desaceleração, a 0,15%, ante alta de 0,54% em fevereiro, o que, se confirmada, será o menor resultado para meses de março desde 2009. Além disso, a taxa acumulado em 12 meses deve cair mais um degrau, saindo de +5% no período até o mês passado e ficando em +4,73%.
Por enquanto, as apostas de uma aceleração no ritmo de queda da taxa básica de juros (Selic) no mês que vem, para um ponto percentual (pp), estão em torno de 70%. Apenas 30% dos investidores preveem uma manutenção do corte de 0,75 ponto.
Aliás, a estratégia do governo de normalizar a situação sobre a venda de carnes brasileiras, tentando minimizar os danos, também pode ter como efeito colateral a redução dos preços do produto no mercado interno, o que tende a favorecer a trajetória de baixa da inflação, podendo até ampliar o espaço de atuação do Banco Central no processo de queda da Selic.
Mas os possíveis impactos das investigações das operações Lava Jato e Carne Fraca na classe política e no setor produtivo, respectivamente, podem começar a abalar as apostas de que o apoio a Temer seguirá intacto.
No Senado, já se fala em criar uma CPI da Previdência, para apurar eventuais desvios e trazer o debate “sobre quem está assaltando os cofres da seguridade”, segundo palavras do autor do requerimento. Já na esfera das relações comerciais, Japão e México suspenderam a importação da carne brasileira, ampliando a lista de países que restringiram a compra do produto após os esquemas de corrupção.
Até então, os investidores vinham acreditando que tudo será aprovado, dando de ombros aos imbróglios em Brasília. O mesmo não se pode dizer em relação ao ambiente internacional.
A derrocada dos ativos de risco ontem, capitaneada pelas perdas em Wall Street, evidenciou a posição dos investidores, que estão avaliando se não superestimaram as políticas positivas do presidente norte-americano. As expectativas quanto às promessas de corte de impostos e aumento dos gastos públicos começam a ser revisadas, diante da sensação de que Trump vai conseguir bem menos nesses assuntos.
No fim, devem restar apenas um crescimento econômico estável nos EUA, com maior protecionismo e restrições à imigração, e um processo gradual de aumento dos juros pelo Federal Reserve. Ontem, os mercados acionários ao redor do mundo registraram a maior queda desde a eleição de Trump, em novembro, sendo que o índice norte-americano S&P 500 caiu mais de 1% pela primeira vez desde outubro.
E as incertezas em relação ao governo do republicano ainda têm impactos nos negócios hoje, com os negócios mostrando que esperavam muito do presidente dos EUA. Os índices futuros das bolsas de Nova York seguem em queda nesta manhã, o que penalizou a sessão na Ásia e contamina o pregão na Europa.
As commodities também sofrem com essa onda vendedora (“selloff”), com o minério de ferro perto de entrar em um mercado de baixo (“bear market”) e o barril do petróleo na faixa de US$ 47, ao passo que o ouro é alvo de busca por proteção. Entre as moedas, o iene também é tido como porto seguro para os investidores e avança pelo sétimo dia.
Esse comportamento deve intensificar a correção na Bovespa, que já acendeu o sinal de alerta ontem, ao fechar abaixo dos 63 mil pontos e pode vir a testar a marca dos 60 mil pontos em breve. A Bolsa brasileira também deve reagir ao resultado financeiro da Petrrobras, que apurou lucro de R$ 2,5 bilhões no quarto trimestre, mas amargou prejuízo pelo terceiro ano seguido em 2016, de R$ 14,8 bilhões.
Ainda na agenda econômica do dia, no Brasil, saem os números semanais do fluxo cambial (12h30). No exterior, serão conhecidos dados do setor imobiliário norte-americano (10h e 11h), além dos estoques semanais de petróleo bruto e derivados (11h30).