Recuperação judicial no Brasil: as lições de quem sobreviveuSão Paulo — Os donos da fabricante de autopeças Mangels fizeram uma sucessão pouquíssimo usual em 2014. Decidiram que o
gerente de auditoria, o contador Fabio Mazzini — que estava na empresa
havia apenas três anos e não tinha experiência no setor de autopeças —,
comandaria a Mangels no momento em que ela enfrentava sua maior crise.
Fundada em 1928 em São Paulo, a companhia havia acabado de pedir
recuperação judicial. Mazzini assumiu o cargo de diretor de
reestruturação, que passou a funcionar como uma pres...
Recuperação judicial no Brasil: as lições de quem sobreviveuSão Paulo — Os donos da fabricante de autopeças Mangels fizeram uma sucessão pouquíssimo usual em 2014. Decidiram que o
gerente de auditoria, o contador Fabio Mazzini — que estava na empresa
havia apenas três anos e não tinha experiência no setor de autopeças —,
comandaria a Mangels no momento em que ela enfrentava sua maior crise.
Fundada em 1928 em São Paulo, a companhia havia acabado de pedir
recuperação judicial. Mazzini assumiu o cargo de diretor de
reestruturação, que passou a funcionar como uma presidência, respondendo
diretamente ao conselho de administração, formado por integrantes
da família Mangels. “Somente depois que assumi fui entender o que era
esse cargo e o que tinha de fazer”, diz Mazzini, que tem 40 anos (seu
emprego anterior havia sido de auditor no grupo Ultra). Além de pouca
experiência, Mazzini tinha uma estatística jogando contra ele. Apenas 6%
das empresas que pediram recuperação judicial no Brasil conseguiram
sair dela formalmente. Claro, muitas empresas são desmembradas durante o
processo — e, mesmo que o CNPJ original não saia formalmente da
recuperação, esse também é um cenário tido como vitorioso, pelo menos do
ponto de vista “social”: afinal, suas fábricas seguem produzindo e
gerando empregos. Mas o baixo número de casos com começo, meio e fim
chama a atenção. A Mangels encerrou a recuperação judicial neste ano,
depois de renegociar uma dívida de 430 milhões de reais, que equivale ao
faturamento, e de cortar custos para voltar a dar lucro.O processo de recuperação judicial, em vigor no
Brasil desde 2005, dá às empresas em dificuldade um tempo para que se
reestruturem — os credores não podem pedir a falência nem a penhora de
bens para quitar dívidas. A contrapartida é que a companhia deve
apresentar um plano para melhorar suas finanças e pagar
o que deve, que precisa ser aprovado pela maioria dos credores e
homologado por um juiz. Em dois anos, o juiz volta a analisar a
situa-ção da empresa: se tudo estiver ocorrendo como combinado, ela pode
sair da recuperação e voltar a funcionar normalmente. No Brasil, a taxa
de recuperação da dívida, um indicador que mede quanto foi recuperado
de cada milhão de dólares em débitos, é de 16%. No Chile, está em 33%;
nos Estados Unidos, chega a 78%.As razões que explicam por que a maioria dessas
empresas não volta a funcionar de forma saudável são conhecidas:
problemas de gestão, disputas entre credores, juros na lua, absoluta
escassez de crédito e falta de conhecimento econômico de alguns juízes,
que acabam atrasando o processo. Mas há empresas que, como a Mangels,
têm conseguido vencer essas dificuldades e sobreviver a uma recuperação
judicial. É o caso das companhias de energia Celpa, Eneva e Rede, da
varejista Casa & Vídeo e de dezenas de empresas de pequeno e médio
porte, como a fabricante de balas e biscoitos Cory e ascatarinenses
Industrial Pagé, que fabrica equipamentos para armazenar grãos, e
Angelgres, que produz revestimentos de cerâmica. Saber o que dá certo
nunca foi tão importante quanto agora: a combinação de recessão com
juros mais altos levou 1 809 empresas a pedir recuperação judicial nos
últimos 12 meses, um recorde. O que fazer para não afundar de vez?Demorar demais para admitir que o problema
financeiro é grave é o erro mais comum de empresários à beira da crise. O
medo de ser visto como “fracassado” faz com que muitos adiem, de forma
irracional, o momento de pedir recuperação judicial. Acabam fazendo isso
quando já não há dinheiro para mais nada. Os especialistas recomendam
que uma empresa peça recuperação enquanto ainda tem dinheiro para pagar
salários e impostos e capital de giro para comprar matéria-prima. Caso
contrário, a empresa pode quebrar se tiver qualquer problema (por
exemplo, se deixar de receber de algum cliente). Com uma dívida de 2,4
bilhões de reais, a geradora de energia elétrica Eneva (antiga MPX)
pediu recuperação judicial antes de chegar a essa situação.
“Estabelecemos o limite de 70 milhões de reais para o caixa. Se batesse
essa trava, protocolaríamos o pedido”, diz Renato Carvalho, sócio da
Íntegra, consultoria contratada para reestruturar a Eneva. A companhia
pediu recuperação em dezembro de 2014, vendeu ativos, fez um aumento de
capital de 1,2 bilhão de reais e conseguiu reestruturar a dívida. Saiu
da recuperação em junho e teve lucro de 94 milhões de reais no último
trimestre de 2016.Muitos planos de recuperação fracassam porque
pressupõem que as empresas conseguirão fazer milagre para sair do
buraco. “O excesso de otimismo só atrapalha”, diz Ivo Waisberg, advogado
do escritório Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil. Um bom plano, na visão
dos especialistas, é o que une a renegociação das dívidas a um conjunto
de ações para melhorar a geração de caixa — e não depende de uma bala
de prata. A empresa de energia Energisa, que comprou o grupo Rede em
2014, quando estava em recuperação judicial, destacou três executivos e
60 gerentes para pôr em prática 100 projetos. Os objetivos eram corrigir
problemas de gestão, melhorar os parâmetros de qualidade do serviço e
tornar o negócio lucrativo — o que aconteceu em 2016, quando o Rede,
dono de oito distribuidoras de energia, encerrou seu
processo de recuperação. A Mangels demitiu metade da diretoria
executiva, cortou motoristas, secretárias e o orçamento de manutenção.
No ano passado, os próprios funcionários se reuniram para pintar a
fábrica de Três Corações, em Minas Gerais. Além disso, a Mangels
encerrou sua operação de peças de aço para a indústria automotiva, que
era pouco lucrativa, e negociou as dívidas com a ajuda do advogado
Renato Mange.As empresas que pedem
recuperação judicial precisam fazer concessões. Além de cortar custos,
podem ser obrigadas a vender ativos — ou toda a companhia — por bem
menos do que esperavam. Não se trata de vender os anéis para ficar com
os dedos, mas de vender os dedos para não ir à falência. O plano dos
donos da varejista Casa & Vídeo, que entrou em recuperação judicial
em 2009, era reorganizar a empresa e vendê-la. Quem acabou comprando a
companhia foi o advogado Fabio Carvalho, um funcionário da consultoria
americana Alvarez & Marsal que fazia a reestruturação da empresa.
Ele pagou simbólicos 1 000 reais e assumiu a dívida, na época, de 40
milhões de reais. Com amplos cortes de despesas e uma mudança na
estratégia, conseguiu tirar a Casa & Vídeo da recuperação judicial —
a gestora Polo Capital comprou o controle em 2011 por 50 milhões de
reais.Nenhuma empresa consegue sair da recuperação judicial sem se engajarnuma
negociação franca com a maioria de seus credores. Acusações de má-fé
podem fazer o processo demorar muito mais do que a empresa pode
aguentar. Ao pedir recuperação judicial em 2005, a fabricante de balas e
biscoitos Cory negociou individualmente com cada um de seus
fornecedores. O objetivo era convencê-los a continuar financiando a
compra de matéria-prima da Cory — em geral, empresas em recuperação
judicial têm de pagar seus fornecedores à vista. A companhia, que hoje
fatura 200 milhões de reais, também negociou com os credores (a maioria,
bancos) o parcelamento de sua dívida de 100 milhões de reais em 12
anos. “CNPJ conversando com CNPJ não leva a lugar nenhum. O
relacionamento pessoal é o que salva uma empresa”, diz Nelson Castro,
fundador e presidente da Cory. Com uma dívida de 65 bilhões de reais, a
operadora Oi protagoniza a maior recuperação judicial da história
brasileira e vive o extremo oposto disso: uma guerra entre credores e
gestores que dá pouca razão para otimismo. Assim como a Oi, dezenas de
grandes empresas pediram recuperação judicial durante a recessão. Que
aprendam alguma coisa com quem foi ao inferno e voltou.Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/recuperaca...
Mostrar mais