As investigações sobre o que levou às intensas queimadas no estado de São Paulo seguem no radar do governo, que apontou inclusive motivações do crime organizado para o ateamento de fogo em canaviais em falas nesta terça-feira (27).

Enquanto isso, o setor segue fazendo as contas das suas perdas. Foram identificados mais de 2,1 mil focos de incêndios em canaviais, que resultaram em cerca de 59 mil hectares queimados em áreas de cana-de-açúcar e áreas de rebrota da lavoura. São Paulo, que responde por cerca de metade do plantio de cana do Brasil, cultiva na safra atual 4,3 milhões de hectares.

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Entre as companhias que já contabilizam prejuízos, como é o caso da Raízen (BOV:RAIZ4) e da São Martinho (SMTO3).

Em comunicado ao mercado, a São Martinho disse que cerca de 20 mil hectares de cana-de-açúcar da companhia foram atingidos pelos incêndios. Não houve registro de vítimas ou de impactos em outros ativos. A cana-de-açúcar atingida será processada nos próximos dias, disse a empresa, “sem impactos significativos no Açúcar Total Recuperável – ATR em relação ao Guidance de Produção para Safra 2024/2025, mas com redução na eficiência industrial na conversão em açúcar”. A empresa estima redução de 110 mil toneladas de açúcar, que será compensada por um aumento proporcional na produção de etanol.

Já a Raízen informou que cerca de 1,8 milhão de toneladas de cana-de-açúcar própria e de fornecedores foram afetadas pelos incêndios. O volume representa “2% do total previsto na safra 2024/25, com base no piso da premissa de moagem total”, disse a companhia. A Raízen também vai priorizar a cana afetada, conforme o comunicado. “Com essa medida, esperamos que as perdas e impactos em nossos resultados sejam imateriais”, afirmou.

As operações da Raízen em algumas instalações chegaram a ser paralisadas na quinta-feira da semana passada. A usina Santa Elisa, da companhia, em Sertãozinho (SP), voltou a operar no domingo. A Raízen informou anteriormente que as chamas atingiram parte do estoque de biomassa da unidade, equipamentos da companhia que estavam na área de plantação e Área de Preservação Permanente (APP). O fogo não atingiu o parque industrial.

Cabe ressaltar que, na última segunda-feira, os papéis da São Martinho fecharam com alta de 3,75%, a R$ 30,45. Na visão de analistas, a possibilidade da companhia se beneficiar da alta do preço do açúcar e do álcool por conta das queimadas baseou a movimentação, uma vez que é possível esperar menos disponibilidade dos demais produtores. Na véspera, com a possibilidade de um declínio na oferta global, os preços futuros do açúcar subiram quase 7%, gerando preocupações sobre o balanço entre potenciais perdas de volume para as empresas e a perspectiva de preços mais altos.

O JPMorgan ressaltou que, apesar de pequenos, os impactos não seriam “imateriais”. Por outro lado, “esses impactos financeiros para São Martinho e eventualmente para a Raízen devem ser parcialmente mitigados por preços mais fortes, já que a oferta perdida deve se refletir de alguma forma nos preços do açúcar e do etanol”, comentou o JPMorgan em relatório sobre o assunto.

Avaliação dos impactos

Já o Itaú BBA avaliou que as áreas afetadas por incêndios não necessariamente se traduzem em perdas de produção, já que a cana-de-açúcar impactada ainda deve ser moída.

O impacto é, portanto, limitado à cana-de-açúcar que exigiria tempo adicional para amadurecer, mas provavelmente será processada em um estágio sub ótimo. De acordo com associação do setor, a área afetada chega a 59 mil hectares até agora, representando 4,2 milhões de toneladas de cana (0,7% das expectativas de moagem do Centro-Sul para 2024/25).

“Juntamente com potenciais impactos no balanço hídrico, esses episódios recentes podem implicar uma revisão para baixo na moagem esperada de cana-de-açúcar em 2024/25, mais perto do nível de 590-595 mil toneladas, de acordo com alguns consultores. Com a possibilidade de os incêndios forçarem algumas usinas a mudar da produção de açúcar para etanol, algumas consultorias agora antecipam um declínio adicional de 100-200 mil toneladas na produção de açúcar em 2024/25”, avalia o BBA.

Assim, na mesma linha do JPMorgan, o banco aponta que, embora possa ser muito cedo para avaliar completamente o impacto dos eventos recentes na indústria de açúcar e etanol, vale a pena notar a crescente probabilidade de redução da produção de açúcar no Brasil, levando a preços futuros mais altos. “Isso poderia ajudar as empresas a compensar parcialmente os impactos financeiros”, reforçam os analistas do banco.

Para a São Martinho, em um cenário pessimista, o BBA estima uma perda de resultado operacional (Ebitda, ou lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) de cerca de R$ 40 milhões para o ano fiscal atual. Para isto, assume uma perda de 110 mil toneladas que vem apenas da cana-de-açúcar própria e que o etanol adicional produzido é vendido aos níveis de preço atuais. O banco reconhece que os preços do etanol provavelmente aumentarão ao longo da colheita à medida que a paridade melhorar, o que deve mitigar os impactos ainda mais, mas assume manutenção dos preços nos níveis atuais.

Por outro lado, a parcela não protegida dos volumes de açúcar será vendida a preços mais altos, refletindo o desempenho atual dos futuros de açúcar, com alta de quase 7%. O impacto total seria de R$ 110 milhões, portanto, em um cenário pessimista, ou cerca de 1% do valor de mercado do SMTO3 – o que poderia ser facilmente compensado pela tendência ascendente nas curvas futuras de açúcar para o próximo ano safra também.

Sobre a Raízen, que ressaltou que 1,8 milhão de toneladas de cana-de-açúcar própria e de fornecedores foram afetadas, o BBA avalia não ter visibilidade suficiente. Mas, assim como outras operadoras, a Raízen também está buscando mitigar os efeitos adversos, priorizando a moagem de cana-de-açúcar em áreas afetadas por incêndios.

Ao Morning Call da XP desta terça-feira (27), Samuel Isaak, analista de commodities da XP, também ressaltou o tempo seco como um fator negativo para a produção agrícola. “O Brasil teve boas chuvas até abril, o que garantiu a safra para a maioria das culturas. A gente entrou em maio com pouquíssimas chuvas. Então são quatro meses com a pluviometria bem baixa”, explicou.

Especificamente sobre o movimento de segunda-feira para os ativos da São Martinho, a XP divulgou nota em que destacou que o mercado reagiu de forma exagerada com alta dos preços de açúcar – embora tenha atribuído a maior parte do desempenho a posições de cobertura de posições vendidas por fundos – já que ainda é cedo para avaliar os impactos finais sobre a produção da commodity no Brasil.

O aumento dos preços do açúcar levou as ações da SMTO a subirem 3,58%, sem mesmo impacto para a Raízen (+0.92%).

“Um aumento nos preços do açúcar era provável no curto prazo. No entanto, mantivemos nossa visão neutra para SMTO3, pois não gostamos da assimetria de valuation (…) Além disso, vemos riscos baixistas para as estimativas de consenso”, avalia. O maior mix de etanol, juntamente com o aumento do capex, reduziu as estimativas da XP para a companhia em 1,5% para o Ebitda ajustado e em 60 pontos-base para o retorno do fluxo de caixa livre. Além de seguir com recomendação neutra para a São Martinho, a equipe de análise destacou que esperava uma reação negativa no pregão desta terça-feira, o que ocorreu, com as ações em queda de cerca de 4%. Para a Raízen, esperava uma reação neutra à negativa, também em linha com a leve queda desta terça.

Para Odilon Costa, Estrategista de Renda Fixa e Crédito Privado do Grupo SWM, os principais efeitos dos incêndios, que ainda não são quantificáveis, são uma queda na colheita e a possibilidade de métricas piores de produtividade agrícola. “Além das empresas listadas, há muitas empresas do setor que emitem títulos de dívida também, como debêntures incentivadas e CRA”, afirmou Costa.

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