O processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, iniciado ontem com a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aceitar o pedido feito pelo jurista e ex-petista Hélio Bicudo e seus colegas Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, já tem impactos no mercado, com a bolsa em alta e dólar em baixa, mas ainda tem um longo caminho até resultar na saída da presidente, se acontecer. Até lá, porém, é certo que haverá impactos negativos na economia, seja pela prioridade dada ao processo pelo Congresso e pela base do governo diante de outros assuntos, como o ajuste fiscal ou alguma reforma que ainda poderia prosperar, seja pela incerteza sobre os desdobramentos no comando do país.
PMDB, situação de ganha-ganha
Outro fator que ganhará destaque agora é a posição do PMDB e do vice-presidente, Michel Temer. O partido volta a ser o fiel da balança pois seu apoio pode definir a aprovação ou não do impeachment. Se o partido e Temer resolverem abandonar a presidente, o processo tem grandes chances de avançar. Se não, a presidente ganha nova sobrevida, o que com certeza lhe custará outro naco do poder para os peemedebistas. De qualquer maneira, o PMDB deverá ganhar mais poder, com ou sem o impeachment. Resta saber qual das formas ele vai preferir, com ou sem Dilma.
Processo esbarra no Supremo
A MCM Consultores lembra que o impeachment tem ainda de avançar na Comissão Especial, que analisará o pedido antes de ele ir ao plenário, formada por 66 deputados e 66 suplentes, indicados pelos líderes dos partidos, e que serão aprovados pelo Plenário. O jogo de forças de governo e oposição começará portanto já na formação da comissão. Além disso, o governo ou o PT vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), que já interferiu em outro processo, quando Cunha e a oposição articularam para que o político recusasse um pedido de impeachment que depois seria apreciado pelo plenário.
Para a MCM, o Supremo já demonstrou que a lei que regulamenta o impeachment, de 1950, contém lacunas, que foram preenchidas durante o processo contra o presidente Fernando Collor de Mello pelo regimento da Câmara, com aval do STF. Talvez o Supremo desta vez exija que todos os detalhes do impeachment sejam definidos em lei, o que pode complicar o processo.
Mesmas armas da oposição
Outra estratégia do governo poderia usar o mesmo mecanismo da oposição, recorrer e tentar derrubar o pedido de impeachment no Plenário da Câmara, por maioria simples, mas teria então de reverter as decisões do Supremo.
Comissão Especial e afastamento
Se o Supremo não interferir e o Plenário não for usado, avalia a MCM, seria então criada a Comissão Especial, que então dará início ao processo e terá cinco sessões para preparar um parecer aceitando ou não o impeachment. Depois, o assunto irá para o Plenário da Câmara, onde terá de ser aprovado por dois terços dos deputados. Se aprovado o impeachment, a presidente teria de deixar o cargo por um prazo máximo de 180 dias ou até o julgamento pelo Senado, que tem 180 dias para julgá-la, sob comando do presidente do Supremo.
Há portanto, diversas variáveis que podem atrasar ou até cancelar o pedido de afastamento da presidente. Nesse ponto, ganham peso as condições políticas para o impeachment.
Governo ainda tem força
Para a MCM, o governo tem hoje condições de reunir os 171 votos na Câmara, ou um terço do total, para impedir o impeachment. Além disso, lembra a consultoria, o pedido foi feito por um presidente da Câmara muito desgastado, que admitiu que fazia chantagem com o governo ao aprovar a ação justamente no dia em que perdeu apoio do PT na Comissão de Ética, e que enfrenta acusações sérias de corrupção e contas secretas no exterior. A presidente Dilma já usa a imagem de Cunha para desprestigiar o pedido, afirmando em seu pronunciamento que não tem contas no exterior e não sofre com suspeitas de desvio de dinheiro público.
Águas de março e risco com economia
O ambiente, porém, pode mudar até março, devido ao aprofundamento da crise econômica, que pode aumentar a insatisfação de setores da sociedade e aumentar os protestos e o apoio ao impeachment nas ruas. E isso ocorreria justamente quando o processo estará na etapa final da Câmara, o que aumentaria o apoio à saída de Dilma. Outro risco, lembra a consultoria, é de novas denúncias surgirem na Operação Lava Jato que envolvam a presidente, o que também aumentaria o apoio popular à saída da presidente e daria argumentos mais sólidos para o impeachment.
A MCM acredita assim que Cunha “semeou mais confusão à já complicada situação política do país”, o que vai dificultar os trabalhos do Congresso e aumentado a tensão entre os grupos que apoiam ou não a presidente, o que pode acabar em confrontos violentos.