A operação Panamá Papers, que revelou um esquema gigantesco de evasão fiscal, evidenciou Hong Kong como um centro de criação de empresas offshore, utilizadas por chineses para transferir capital para o exterior.
Segundo novos dados revelados hoje (7) pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, sigla em inglês), os escritórios na China da Mossack Fonseca, uma firma panamenha de advogados, criaram 16.300 empresas de fachada. O caso reacendeu o debate sobre os meios utilizados pelas classes abastadas da China para salvaguardar as suas fortunas e fugir das restrições cambiais impostas por Pequim.
Pela proximidade com o continente chinês e pela liberdade que caracteriza o seu sistema financeiro, Hong Kong funciona como uma plataforma. “Os chineses estão transferindo o seu dinheiro para fora devido ao abrandamento da economia”, disse à agência France Presse Andrew Collier, diretor do centro de investigação Orient Capital Research, com sede em Hong Kong.
“O mercado imobiliário está em declínio em muitas zonas do país e existe apreensão com a campanha anticorrupção e o impacto na segurança do capital na China”, explicou.
Dinheiro extra
Através da subfaturação de bens exportados a partir de Hong Kong ou da subvalorização das importações para a cidade, é possível gerar dinheiro extra, que é depois colocado em contas offshore, explica Collier.
“Muita gente afirma que existem imensas faturas falsas de produtos comercializados entre a China e Hong Kong, e que Hong Kong está sendo utilizada como uma via para retirar capital do país”, descreve.
As empresas chinesas podem obter dinheiro em moedas estrangeiras junto a bancos chineses, destinado a pagar produtos importados, mas superestimando o montante necessário, que é depois movimentado para contas na cidade. “É muito difícil para um banco distinguir quais faturas são verdadeiras ou falsas”, disse Collier.
Pequim limita o montante de capital que pode ser transferido por pessoa para fora do país a 50 mil dólares por ano, mas através de contas secretas em Hong Kong é possível superar esses valores, explica o investidor David Webb.
Webb argumenta que a cidade carece de transparência no mercado de capitais e nas empresas que se registram lá, em parte porque não quer afastar o negócio alimentado pela China.
“Adotaram a política do ‘não pergunte, nem diga nada’, sabendo que a epidérmica corrupção no continente é a origem de muitos dos negócios”, disse. “Estão preocupados que [mais regulação] reduza a quantidade de negócios e a atratividade de empresas em Hong Kong”.
A China limita a quantidade de dinheiro que cada turista pode levar para fora do país a um máximo de 20 mil yuans (2.712 euros) e o equivalente a 5 mil dólares em moedas estrangeiras. As restrições geram o fenômeno chamado de “mulas do dinheiro”: contrabandistas que carregam cintos de notas coladas ao corpo ou em malas através das alfândegas.
Outro esquema envolve a emissão de cheques em moeda estrangeira por bancos ilegais na China em troca de yuan, a moeda chinesa. Lojas de câmbio em Hong Kong servem também de facilitadoras para transferir dinheiro para fora. “Quanto maiores são as restrições impostas pelo Estado, em qualquer país, à movimentação de capital, maiores são os fluxos financeiros ilegais”, conclui Webb.