ADVFN Logo ADVFN

Não encontramos resultados para:
Verifique se escreveu corretamente ou tente ampliar sua busca.

Tendências Agora

Rankings

Parece que você não está logado.
Clique no botão abaixo para fazer login e ver seu histórico recente.

Hot Features

Registration Strip Icon for default Cadastre-se gratuitamente para obter cotações em tempo real, gráficos interativos, fluxo de opções ao vivo e muito mais.

Muito além da idade mínima: previdência fásica propõe conciliar justiça social e ajuste

LinkedIn

Michel Temer resolveu encarar um dos maiores desafios econômicos que qualquer político poderia enfrentar: a reforma da Previdência. E a dificuldade não é coisa só do Brasil. Em qualquer lugar do mundo o assunto é espinhoso: como explicar para os trabalhadores que eles vão perder direitos hoje para garantir o futuro das próximas gerações? Em todos os países, a discussão também é a mesma: qual a melhor forma de garantir o financiamento das aposentadorias com uma população mais velha e menos gente trabalhando e pagando contribuições.

A discussão no Brasil está muito concentrada, porém, na questão da idade mínima, que já existe em quase todos os países, menos por aqui, e na questão fiscal, avalia Abraham Weintraub, economista e pesquisador do Centro de Estudos em Seguridade (CES) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ela precisa ser mais ampla e englobar um novo modelo de previdência.

Aposentadoria por etapas

Weintraub e seus colegas defendem a chamada previdência fásica, ou aposentadoria por etapas, que busca adaptar os regimes de previdência ao perfil dos trabalhadores, sua renda e ao tipo de atividade que exercem durante a vida. A proposta do CES-Unifesp foi elaborada em parceria com professores de Harvard, da University of Victoria, da Universidad de Chile e da University of Toronto.

“Não se pode tratar desiguais como iguais, um cortador de cana como um marceneiro ou um escriturário ou médico, pois todos vão chegar à velhice em condições bem diferentes e com diferentes expectativas de vida”, diz Weintraub. Por isso, Itália e Canadá criaram propostas nas quais o trabalhador se aposenta com 70 ou 75 anos, mas começa a receber o benefício e a desacelerar sua vida profissional bem antes. “Depende da pessoa”, explica Weintraub. Com 50 anos e 20 de contribuição, por exemplo, o trabalhador não precisaria mais contribuir com a previdência, apenas as empresas continuariam pagando.

Benefício antes da aposentadoria

Aos 55, o trabalhador passaria a receber 25% do salário mínimo, percentual que pularia para 50% aos 60 anos, 75% aos 65 e chegaria a 100% do mínimo aos 70 anos. “O cortador de cana, com 50, já está meio acabado, mas já começa a contar com a renda extra da contribuição que deixa de pagar”, observa. Já aos 55, esse mesmo trabalhador passaria a receber R$ 250,00, o que para ele é um bom reforço na renda, diz. E, nos anos seguintes, ele vai acumulando os benefícios, com mais 25% a cada cinco anos, até chegar aos 70 anos recebendo o valor integral.

A aposentadoria por etapas prepara o indivíduo também para uma mudança de vida, trabalhando menos horas ou em ritmo menor. E o segurado poderia ter acesso também a informações sobre o valor que contribuiu ao longo da vida, ou seja, seu extrato do INSS, que hoje não existe, lembra o economista.

Renda extra para os mais pobres

De acordo com essa proposta, é possível manter ou até diminuir a idade mínima para que se deixe de pagar as contribuições e se passe a receber parte dos benefícios, até finalmente chegar à aposentadoria integral. Os mais vulneráveis, ou seja, os mais pobres, não seriam impactados e poderiam até se beneficiar com valores recebidos antes, com ganhos similares aos do Bolsa Família. E, em regiões mais carentes, poderiam ser criados benefícios regionais, como existem na China, explica Weintraub.

Déficit da Previdência despencaria

Nos cálculos de Weintraub, se o Brasil não fizer nada para mudar a Previdência Social atual, o déficit hoje de 8,5% do PIB vai chegar a 18% do PIB em 2050, ou seja, mais que dobrar em termos reais. “Aí o país quebra, não tem como pagar, pois quase 20% do que se produz irá para pagar aposentados”, aleta. Se a mudança fosse feita de acordo com a proposta de previdência fásica, o déficit hoje cairia para 4,1% do PIB. E, projetando-se o envelhecimento da população, o déficit chegaria a 10,2% em 2050. Se houver ainda uma mudança na correção dos benefícios, deixando de aplicar a variação do PIB usada na correção do salário mínimo, o déficit para 2050 seria ainda menor, 7,3% do PIB.

Conta para mais de um mínimo

Essa seria a proposta para o chamado regime geral de previdência, que atenderia a todos os cidadãos contribuintes com até um salário mínimo. Para quem quiser um benefício acima desse valor, haverá uma conta individual capitalizada pelas contribuições mais juros. Cada trabalhador terá a sua e, com 70 anos e 40 anos de contribuição, o beneficiário que tiver mais de 150 salários mínimos acumulados passaria a receber um valor proporcional. E o trabalhador poderia continuar contribuindo e trabalhando, independentemente de receber o benefício. Haveria ainda a opção de não receber o benefício e deixar o dinheiro acumulando e rendendo depois dos 55 anos até atingir o valor desejado.

Contribuição de empresas em ações

Além dele, Weintraub defende uma reforma também no regime privado, que atenderia principalmente a classe média. “Os mais pobres vão usar o regime geral e receber o básico e os mais ricos não precisam de previdência”, explica. A proposta seria em vez dos atuais fundos de previdência, que cada trabalhador teria direito a uma conta para investir, para as quais as empresas fariam contribuições em ações. “Isso provocaria uma redistribuição dos meios produtivos, pois os trabalhadores seriam sócios das empresas e passariam a cobrar mais transparência e participação nas decisões, além de desenvolver o mercado de capitais”, explica.

O modelo evitaria também situações em que o dinheiro dos fundos de pensão acaba sendo usado com outras finalidades, por governos ou por gestores mal-intencionados. “Tivemos exemplos recentes do do governo do Paraná, que avançou no fundo de pensão dos funcionários públicos, e o Postalis, vítima de aplicações irregulares dos gestores”, diz. E se a empresa quebrar e as ações virarem pó? Weintraub diz que a saída é o regime geral. “Quem não fiscalizou entra no regime até dois mínimos”, diz.

Previdência e programas sociais

O economista lembra também que é preciso separar e deixar bem claro o que é Previdência Social, ou seja, o regime geral de previdência, das políticas sociais de auxílio aos excluídos. Para efeitos contábeis e atuariais, quem não contribui com a Previdência não poderia se aposentar pelo regime geral de previdência. Mas, ao atingir determinada idade, poderia continuar recebendo um benefício por outro orçamento.  “Não se trata de deixar desamparadas as pessoas vulneráveis, mas clarificar o que é déficit da Previdência e o que é política social”, diz.

Ele lembra que hoje a Previdência é responsável por vários benefícios assistenciais, como a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), que garante um salário mínimo para qualquer pessoa com mais de 65 anos, e a aposentadoria rural, que não exigem contribuição anterior. “Esses programas têm de continuar existindo para os mais pobres, mas não dentro do regime geral, e devem ter algum desconto em relação ao benefício de quem contribuiu”, afirma, lembrando que hoje um casal poderia receber dois benefícios do Loas, um para o marido e outro para a mulher, mas apenas um pela Previdência. “É um absurdo quem contribuiu durante anos receber menos do que quem nunca contribuiu”, diz.

Longevidade e imigração

O economista observa que o problema da Previdência não é só do Brasil. Os avanços da medicina, tecnologia e nutrição aumentam a longevidade, enquanto a queda na fertilidade provoca um envelhecimento das populações e inviabilizam o antigo pacto social previdenciário, baseado no crescimento dos trabalhadores na ativa para pagar os aposentados. O Brasil não enfrenta ainda os maiores desafios, mas a chamada “janela demográfica” durará mais alguns poucos anos apenas. Em muitos países, porém, esse envelhecimento foi compensado pelo aumento da mão de obra estrangeira, com o aumento das imigrações.

Islamização da Europa

O envelhecimento das populações provoca mudanças importantes pelo mundo e fortes discussões sobre como reduzir seu impacto e ao mesmo tempo não aumentar os custos do governo e de toda a sociedade. Na Europa, a falta de mão de obra foi compensada pelo aumento da imigração vinda da África e do Oriente Médio, suas antigas colônias, e com o acolhimento de refugiados mais jovens, o que levou à islamização de vários países, como Bélgica, Holanda, França, Inglaterra e Suécia.

Robôs e velhinhos presos no Japão e muro nos EUA

No Japão, para não trazer imigrantes, a opção para compensar a falta de jovens e de mão de obra foi investir em robótica. Mas, mesmo assim, há casos de idosos que cometem crimes para obter comida e tratamento nas prisões japonesas. Na China, houve o fim da política de filho único. Já nos EUA, a preocupação com a imigração, provocada pela falta de mão de obra, trouxe até a discussão sobre a construção de um muro na fronteira com o México. “Se há falta de mão de obra, os mercados se ajustam pela entrada de estrangeiros”, diz Weintraub.

Mudança na estrutura da sociedade

A questão da previdência, porém, não é só migratória ou fiscal, alerta o economista. Ela inclui também uma discussão mais profunda sobre o formado da sociedade do futuro, com famílias ou indivíduos que criam sozinhos seus filhos e que precisam ser mais protegidos. Ao mesmo tempo, deveriam ter mais benefícios, pois esses filhos serão contribuintes do regime de previdência e ajudarão a sustentá-lo no futuro.

Já mulheres sem filhos e bem sucedidas não precisariam ser defendidas do desgaste da chamada dupla jornada, até por sua maior expectativa de vida. O mesmo não valeria para mulheres pobres e com filhos, para as quais o problema da dupla jornada é ainda mais acentuado. É um problema que, portanto, envolve indivíduos e suas famílias, mas que não pode cair nos chavões como o do “déficit social”, alerta Weintraub.

 

Deixe um comentário