Em novembro do ano passado, já cotado para assumir o Ministério da Fazenda no lugar do então titular Joaquim Levy, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles participou de um evento na Federação do Comércio em São Paulo, juntamente com dois outros ex-BC, Armínio Fraga e Gustavo Franco. Agora, finalmente no Ministério, não pelas mãos do PT, mas de Michel Temer, Meirelles poderá colocar em prática algumas das ideias sugeridas no evento.
Na ocasião, Meirelles evitou falar em propostas para solucionar a crise econômica, mas admitiu o uso da CPMF e o aumento de impostos no curto prazo para estancar a piora do endividamento do Estado. “Fazendo uma analogia com o médico, repouso absoluto não faz bem para o corpo, que precisa de exercício, mas pode ser que em alguns momentos seja preciso que o paciente faça repouso”, explicou.
Em sua apresentação, Meirelles destacou que é preciso ir além de medidas para resolver a questão fiscal de curto prazo, com propostas para solucionar os problemas estruturais do país no médio e longo prazos. Falou também que o Executivo tem alguma margem de manobra e sugeriu formas de negociar com o Congresso para aprovar as medidas fiscais. “É preciso enfrentar os problemas de curto prazo, mas deixando claro que vamos endereçar as questões de médio e longo prazos também”, afirmou, reconhecendo que há dificuldades, inclusive politicas, “mas se fosse fácil já teria sido resolvido há muito tempo”, afirmou.
Meirelles e os juros
Ele defendeu a ideia que é preciso ajustar as contas públicas do país e melhorar a relação da dívida pública para reduzir os juros. “Todos concordam que juro menor é melhor”, afirmou. “A questão é por que a taxa de juros aqui é tão alta e como se pode fazer para que ela caia”, afirmou, rejeitando a ideia defendida por parte do governo na época de que bastaria o desejo do Banco Central reduzir os juros. “Não será uma atitude voluntarista do governo que permitirá essa queda, já está evidente que o caminho não é esse”, afirmou. “Felizmente, já tivemos experiências concretas em vários momentos do Banco Central, inclusive na minha gestão, quando, tomando as medidas corretas e a inflação passando a convergir e cada vez mais para a meta, e com a dívida pública em alguns períodos representando uma parcela menor da riqueza nacional, conseguimos uma taxa de juros menor”, afirmou.
A finalidade de se promover a estabilidade financeira, de se controlar as expectativas de inflação, e de ter uma inflação na meta é exatamente visando a queda dos prêmios de risco e a visibilidade e permitido que as taxas de juros reais possam cair, destacou.
Meirelles, o Congresso e limites para gastos públicos
Meirelles admitiu que o apoio do Congresso é necessário para promover grande parte das medidas para o ajuste fiscal, inclusive porque elas dependem de mudanças constitucionais. Mas, segundo ele, existe alguma margem de manobra do Executivo e a capacidade de liderança e de influência do Executivo sobre o Congresso. “O debate tem de ser conduzido para questões fundamentais”, afirmou. “Por exemplo, pode-se imaginar a hipótese de fixar limites de gastos públicos como porcentagem do produto (PIB), como forma de garantir credibilidade, queda nos juros, saldos primários consistentes e sustentáveis e enfrentar essa realidade”, sugeriu.
A primeira reação, afirmou, é que seria impossível, pois iria limitar programas sociais, a concessão de benefícios, cortar despesas, vantagens para empresas. “O que falta nessa equação é mostrar que, com uma trajetória sustentável de dívida pública a frente, com possibilidade de tributação menor, como porcentagem do PIB”, avaliou, citando o caso da Coreia do Sul.”Poderemos ter um crescimento maior do PIB, queda dos juros, e esses percentuais terão números absolutos maiores, para toda a sociedade”, explicou. ”É muito importante se discutir com a sociedade e com o Congresso qual a finalidade ultima dos ajustes econômicos”, disse, reafirmando que ”não vou entrar no mérito de questões de curto prazo”. ”O que um país pode fazer, o caminho é esse, tão simples como esse”.
Meirelles e a CPMF
Questionado sobre as críticas feitas à CPMF, Meirelles afirmou que “administrar é decidir sobre prioridades, e depois, por etapas”. Segundo ele, não há dúvida de que o país tem uma prioridade que é reverter a tendência de crescimento acentuado da divida publica. Esse crescimento da relação dívida/PIB tem consequências na taxa de juros e na sustentabilidade da divida não só a curto, como a longo prazo. “Mas não estou sentado lá para saber quais são as alternativas de curto prazo viáveis para que se possa pelo menos pensar como começar o processo da reversão da trajetória dessa divida”, afirmou. “Também não vou entrar na discussão se este imposto é melhor que aquele ou na discussão clássica de que o corte de despesas é a melhor solução”, acrescentou.
Para Meirelles, “partindo do pressuposto de que quem está lá está tomado a melhor decisão possível dentro da viabilidade prática”, é preciso também, para que o país cresça de forma sustentável, ter não só uma estabilização e uma diminuição da carga tributária, como também uma reforma tributária que simplifique o recolhimento dos impostos criar impostos que levem a um aumento da produtividade.
Meirelles e o ajuste fiscal
Segundo o ex-presidente do BC, sem olhar para o prazo mais longo, o risco é repetir o passado, quando aumentos de impostos temporários viraram permanentes. “É importante definir as questões de curto prazo, mas já olhando a frente, com o passo seguinte, mesmo que a medida de curto prazo seja necessária, mas não seja a melhor possível”, disse,”Se não, vamos cair naquela situação mencionada, que temos uma evolução da carga tributária há décadas, sempre por alguma boa razão.”
Ele fez uma analogia com o paciente que vai fazer uma operação e o médico o manda ficar deitado, em repouso absoluto. “Mas o correto para a saúde não é andar, correr? Sim, mas em algum momentos é necessário atender a alguma prioridade de curto prazo e adotar medidas que não são as ideais a longo prazo, mas a decisão é do médico e, no caso, da autoridade competente.”
Propostas para o país
Falando depois de Armínio e Franco, Meirelles reforçou a necessidade de garantir maior eficiência do Estado, aumento da competitividade da economia e maior abertura comercial. “Quanto mais competitivo o país, melhor, mas ninguém vai buscar fazer um esforço maior se não houver necessidade, uma competição”, afirmou. Para ele, a competição é “a grande luz que ilumina e aponta os caminhos da produtividade”. Meirelles destacou ainda a questão do juro alto, que muitos colocam “como questão de vontade do BC, e portanto se o BC quisesse, baixaria”. “Está cada vez mais claro, essa é a vantagem do aprendizado, que o juro no Brasil é alto por causa da dívida pública em relação à riqueza nacional.”
País precisa de superávits primários
Ele destacou, porém, a necessidade de reduzir a carga tributária do país, que é uma das mais altas, sensivelmente superior à media mundial e acima de países de crescimento elevado, como Cingapura, Coreia do Sul e mesmo EUA. Ele defendeu superávits primários (resultado entre despesas e receitas do governo, sem contar os juros da dívida) para poder reduzir a dívida e garantir maior previsibilidade econômica e queda nos juros e aumento nos investimentos. “Temos de gerar superávits primários e, se há problema de carga tributária, a solução passa pela redução das despesas públicas, o que precisa ser alterado de maneira legal ou na Constituição”, afirmou. ”Mesmo que a curto prazo tenhamos de ver aumento de impostos pelo crescimento da dívida pública, temos de ter consciência de que, em um prazo mais longo, precisamos de uma inversão do crescimento da dívida pública e da carga tributária brasileira”, disse.
Infraestrutura sem controle de preços
Meirelles defendeu ainda medidas para atrair investimentos em infraestrutura, criticado porém a estratégia adotada pela presidente Dilma no mandato anterior, que tentou fixar a taxa de retorno das concessões. “O Brasil esta à frente da Rússia em logística, mas abaixo de países vizinhos, e esse é um campo que oferece grandes oportunidades de ganhos muito rápidos para o governo e para a economia”, disse. Segundo Meirelles, existe muito capital disponível no mundo para financiar obras de infraestrutura no Brasil, assim como interesse em investimentos de longo prazo e uma demanda reprimida. “O que necessitamos é apenas uma estrutura normativa adequada na qual se acerte a competição e o preço adequado, em lugar de tentar definir o preço que cada um deve ter”, afirmou.
Educação e mão de obra especializada
Ele criticou também a burocracia brasileira, que atrasa a abertura de empresas e os negócios. Citou também a abertura comercial e o caso da Embraer, que é um sucesso por não ter tantas restrições para importação de componentes. “Mas também há a questão da educação, da mão de obra qualificada, não é à toa que a Embraer está em São José dos Campos, onde fica o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica)”, afirmou. “São os clusters, onde se juntam centros de estudo e empresas e o governo para desenvolver setores de tecnologia”, lembrou. Segundo ele, o Brasil avançou na questão de mais crianças nas escolas, mas a qualidade do ensino ainda é muito baixa.
Ele defendeu a abertura comercial do país e disse que o fato de o pais ter um mercado interno grande não impede que ele tenha exposição a importações. “O mercado interno não pode ser justificativa para o fechamento da economia”, disse.