A trajetória virtuosa da inflação e dos juros no Brasil, ambos em queda, descola-se do ambiente de incertezas em Brasília e pode trazer algum alívio aos mercados domésticos nesta sexta-feira, com a agenda econômica do dia disputando atenção com o noticiário político. A divulgação do índice oficial de preços ao consumidor (IPCA), às 9h, pode resgatar o apetite por ativos de risco dos investidores.
Porém, os sinais dos bancos centrais de retirada dos estímulos monetários nos dois lados do Atlântico Norte tendem a conter a euforia local. Afinal, o calendário também reserva os números do mercado de trabalho norte-americano (payroll), às 9h30, que devem mostrar uma situação de pleno emprego nos Estados Unidos, com evolução da renda, abrindo espaço para subir a taxa de juros no país mais uma vez neste ano.
A expectativa é de deflação para o IPCA de junho. O indicador deve recuar 0,2% em relação a maio, na primeira taxa mensal negativa em 11 anos (desde junho de 2006). Com isso, a taxa acumulada em 12 meses deve ficar em torno de 3%, no menor nível para o período desde o início de 2007. Ou seja, a inflação volta a níveis antes da crise de 2008.
Esse comportamento favorável dos preços tende a corroborar novos cortes na taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central neste mês e podem balizar as chances de manutenção do ritmo de queda adotado em abril e maio, de um ponto percentual (pp). A medida que o encontro do BC em julho se aproxima, essa previsão tende a se tornar majoritária.
Ainda assim, os investidores continuam monitorando o delicado cenário político doméstico e os efeitos sobre o andamento das reformas no Congresso. Afinal, as discussões na Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer devem ser longas.
Com isso, a votação na comissão deve acontecer apenas na última semana de julho, adiando para o início de agosto a apreciação do tema no plenário da Casa. Apesar da probabilidade maior de permanência de Temer no cargo, há riscos de novas delações e de novas denúncias da PGR antes da virada do mês, reduzindo tais chances.
Ao mesmo tempo, cresce o coro pela ascensão de Rodrigo Maia, apontado pelo PSDB com condições para conduzir o país até as eleições de 2018 e tocar as reformas. O desembarque dos tucanos do governo Temer parece cada vez mais próximo e a aproximação do partido ao presidente da Câmara tende a garantir governabilidade, no caso de Temer ser afastado.
Mas mesmo longe do Brasil, Temer deixou aliados incumbidos da missão de angariar votos na comissão da Câmara que analisa a denúncia contra ele. De Hamburgo, onde acontece a reunião de cúpula do G-20, o presidente acompanha a movimentação política – inclusive do PSDB, que já aponta solução para um eventual transição de poder.
Diante disso, os investidores não vão conseguir baixar a guarda. Ainda mais com a normalização da política monetária nos EUA (Fed) e na zona do euro (BCE) também em jogo. Os números do payroll hoje devem calibrar as apostas sobre quando deve começar a redução do balanço patrimonial do Federal Reserve, enxugando a liquidez global, e quando deve ser o próximo aumento dos juros norte-americanos.
A previsão é de geração de 180 mil vagas nos EUA em junho, com a taxa de desemprego seguindo em 4,3%. Os números devem confirmar a solidez do mercado de trabalho norte-americano, com a oferta de mão de obra ficando mais escassa e, portanto, mais cara para contratação.
Com isso, o ganho médio por hora deve crescer 0,3% em relação a maio e avançar 2,6% na comparação com um ano antes. E o foco dos mercados globais estará nesses números, uma vez que o aumento sustentável dos salários nos EUA é capaz de gerar pressão inflacionária à frente, dando argumentos ao Fed para manter o atual ciclo de aperto monetário.
Ainda no calendário econômico do dia, logo cedo, saem dados da indústria na Alemanha e no Reino Unido em maio, além de mais um Índice Geral de Preços da FGV, o IGP-DI, que também deve registrar deflação em junho, de 0,65%.
À espera do payroll, os ativos internacionais retomam a posição lateral, com os investidores assustados com os sinais crescentes de que os BCs globais estão cada vez mais dispostos em apertar suas políticas monetárias ultrafrouxas, que inundaram os mercados de liquidez artificial nos últimos anos. Os índices futuros das bolsas de Nova York estão na linha d’água, enquanto as praças na Europa têm queda pronunciada, seguindo a sessão na Ásia.
O desempenho dos negócios com ações reflete o aumento no rendimento (yield) dos títulos norte-americanos e europeus, diante da sensação de que o fim da era de juro zero está próximo. Esse movimento entre os bônus fortalece as moedas de países desenvolvidos, mas o dólar ganha terreno do euro e da libra.
Já o iene avança, se recuperando da maior queda semanal desde abril, com o BC japonês (BoJ) parecendo ser o único disposto em manter os estímulos em curso por mais algum tempo. Nas commodities, crescem as dúvidas quanto aos efeitos dos cortes de produção do cartel de países produtores (Opep) na cotação do petróleo. O barril é novamente negociado abaixo de US$ 45, devolvendo nesta semana boa parte do salto da semana passada.