O Banco Central do Brasil tem como mandato previsto em lei a incumbência de entregar anualmente a inflação brasileira (medida pelo IPCA) dentro dos limites estabelecidos pelas metas de inflação. Dessa forma, como atualmente ela é de 4,5% ao ano, o Banco Central deve adotar políticas com o objetivo de fazer com que o nível de preços fique próximo desse valor, com uma tolerância de 1,5% para cima ou para baixo. Na prática, se o IPCA ficar dentro da banda que vai de 3% até 6%, o objetivo foi alcançado.
A política ou instrumento que o BC utiliza para manejar ou influenciar a inflação no período são as taxas de juros, ou mais precisamente uma delas, a taxa Selic. Essa é taxa básica da economia, é a taxa que serve de referência para os bancos emprestarem aos seus clientes (ela é o piso: nenhum banco emprestará a taxas menores que a própria Seic).
Pela lógica econômica, quanto maior for a taxa Selic, menor é o incentivo para comprar (pelo lado do consumidor) e para investir (pelo lado do produtor), pois ambos se tornaram mais caros. Dessa forma, pelo menos em tese, a inflação corrente recuaria. Por outro lado, taxas de juros menores incentivam o consumo e o investimento, movimentando a economia e elevando o nível de preços e, portanto, a inflação.
A seguir, plotamos as duas curvas (IPCA e Selic) nos últimos 10 anos:
Fonte: SELIC – https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp ;
IPCA- http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultseriesHist.shtm
Para comunicar o mercado sobre as suas decisões, o Banco Central divulga as Atas do Copom, que ficam disponíveis eletronicamente nesse aqui. Normalmente, as atas são disponibilizadas uma semana após a decisão do Copom sobre o aumento, manutenção ou redução da Selic. Nesse documento, o Comitê analisa a conjuntura econômica, justifica a sua decisão e acaba fornecendo insights para os seus próximos movimentos. Muitas pessoas que trabalham no mercado financeiro e consultorias econômicas utilizam a ATA do Copom com o objetivo de antever o próximo corte ou subida dos juros, a partir do tom da comunicação utilizada pelo BC. Se for um tom mais duro, teoricamente o Banco Central está informando – nas entrelinhas – que será igualmente duro com a inflação, subindo juros.
Essa é a oportunidade que observamos: será que existe uma combinação de palavras ou termos presentes nas Atas do Copom que indique que o Banco Central está menos inclinado a subir juros? Será que ao iniciar uma onda de cortes na Selic – assim como ocorreu no segundo semestre de 2016 – o Copom dê pistas que irá de fato fazer tal movimento? E ainda, será que o tom do comunicado (as palavras utilizadas) mudou ao longo do tempo com as crises econômicas, seja ela internacional (em 2008) ou local (a partir de 2014)?
Relevância / Motivação
A relevância desse estudo está na possibilidade de encontrar uma alternativa aos modelos tradicionais de previsão de indicadores econômicos, como juros e inflação. Conforme foi falado, os agentes de mercados utilizam uma série de métricas e variáveis com o objetivo de prever o comportamento futuro do IPCA e Selic. Há um documento que é disponibilizado semanalmente (todas as segundas-feiras) também pelo Banco Central, que é o Boletim Focus, disponível aqui. Nele, aparecem as expectativas de mercado a respeito da maioria dos indicadores econômicos, incluindo Selic e IPCA.
A ideia deste artigo, assim, é identificar a partir das Atas do Copom uma segunda via a fim de antecipar possíveis movimentos de juros por parte do Banco Central, tendo em vista a comunicação oficial fornecida através desses documentos. Dessa forma, a hipótese central desse estudo é que a utilização de certas palavras e termos podem dar pistas sobre o próximo passo a ser tomado pelo Comitê, com seus impactos em toda a economia.
Importante destacar que a análise da Ata do Copom já é feita maneira recorrente pelos analistas de mercado, mas de forma humana: ao sair a Ata, os analistas leem o documento e tiram suas próprias conclusões a partir da sua interpretação do texto.
Escopo: Dados, Processamento, Saída
Os dados principais são as Atas disponibilizadas no site oficial do Banco Central. Foram coletados 85 documentos, que abarcam 10 anos (de jan/2007 até jul/2017, última disponível). Até jul/2016, os arquivos estavam disponibilizados em HTML, e eram facilmente convertidos para TXT. A partir de jul/16, os documentos estão em formato PDF; para garantir a integridade dos dados, estes também foram convertidos para TXT.
Importante ressaltar que a parte inicial do comunicado foi retirada, conforme imagem abaixo. Essa é uma parte que se repete em todas as Atas, e não traz nenhuma informação relevante no que se refere às projeções e estimativas do Copom:
Por último, é igualmente relevante relembrar que o formato da Ata foi modificado a partir de mar/14. Antes dessa data, o documento apresentava de 60 a 80 itens / parágrafos buscando fundamentar a decisão tomada pelo Copom; a partir de março de 14, a Ata reduziu de tamanho, e passou a ter de 25 a 35 itens e menos páginas. Essa alteração, segundo analistas de mercado, foi uma tentativa de aproximar o comunicado com o formato do FED (Banco Central Americano).
Estrutura Estratégica / Operacional
A partir dos 85 documentos em português, todos em formato TXT, foi possível fazer a análise das palavras, e posteriormente uma análise de sentimento básica, e sua evolução ao longo do período pesquisado.
Para o estudo, foi utilizado o Software R. Os scripts utilizados para construção desse estudo podem ser requisitados aos autores, basta inserir um comentário com o e-mail.
Vamos aos dados
Para fazer as análises, tratamos os dados considerando o texto em português (acentuação, stopwords, etc.) e ficamos com 5.830 palavras. Para fazer a análise de sentimento, classificamos cada uma delas como “positiva”, “neutra” ou “negativa”. O resultado está resumido na tabela abaixo:
Sentimento | Frequência |
Positivo | 270 |
Neutro | 5.290 |
Negativo | 270 |
Total Geral | 5.830 |
O número equivalente de termos “positivos” e “negativos” foi proposital e teve como objetivo não criar um viés logo no início da análise. Cabe ressaltar que algumas classificações podem ser questionadas, e podem ter influenciado o resultado desse trabalho.
Dessa forma, avaliamos a evolução na utilização de termos positivos e negativos ao longo do período de análise:
Nos períodos de contração econômicas mundiais (2008 – 2009) e de crise econômica brasileira 2014 – até o momento, nota-se um aumento no número de palavras negativas sobre o total de palavras utilizadas, sendo 2008 o pico (quase 50%).
Quando cruzamos essa informação com as variáveis monitoradas pelo BC, temos a seguinte figura:
A curva cinza é sempre a mesma, mostrando a relação entre termos negativos sobre a soma dos termos positivos e negativos. Para o caso da Selic, interessante notar que os picos da curva cinza coincidem em alguns anos com a curva verde (que é a Selic no final do ano), como é o caso de 2009 e 2016.
Para o IPCA, o aumento contínuo no nível de preços desde 2009 não foi acompanhado por uma comunicação mais incisiva por parte do Copom. Inclusive, muitos economistas criticaram o presidente Alexandre Tombini – que ficou no comando da instituição de 2011 até 2016 – por ser leniente com a inflação.
Apesar de não estar no mandato do Banco Central a busca pelo crescimento sustentado da economia, conforme explicado na introdução, o Copom observa atentamente o comportamento da economia nacional, medido pelo PIB. Em 2009, houve um “espelhamento da curva”, com o aumento dos termos negativos e uma queda no PIB. Contudo, mais à frente, a derrocada econômica que vimos a seguir não foi acompanhada por um tom mais duro do Comunicado. O aumento das palavras negativas foi observado apenas em 2016, ou seja, um pouco atrasado e já com a troca de comando na presidência, com Ilan Goldfajn a frente do comando do Banco Central.
Em seguida, montamos o WordCloud das Atas, colocando apenas os termos classificados como “positivos” e “negativos”. A imagem resume essa visão:Em 2009, ano de maior incidência de palavras negativas, as mais usadas são “redução”, “queda” e “pressões”, bem no centro da nuvem de palavras. Interessante notar que antes (2007 e 2008) a euforia com a economia também transparecia nos comunicados do Copom, perceptível na nuvem de palavras. Em 2016, a palavra “incerteza” aparece no centro da nuvem, mostrando as maiores preocupações do BC com a inflação, juros e PIB. Inclusive, essa é uma palavra que cabe perfeitamente considerando o momento econômico que atravessávamos. Em 2017, o cenário pouco se altera, com palavras negativas ainda aparecendo na nuvem com destaque.
Por fim, avaliamos as Top 10 palavras negativas ao longo do período de estudo:
Interessante notar como certos temas aparecem e desaparecem entre as palavras mais frequentes. A palavras “risco” aparecia com frequência até 2013, mas depois desapareceu. Por outro lado, incerteza – e seu plural – começaram a ficar mais frequentes a partir de 2015.
Analisando três delas ao longo do tempo, temos uma imagem interessante da evolução de economia e dos percalços no caminho:
Dessa forma, foi possível avaliar que a utilização de certos termos e palavras na principal comunicação do Copom, a ATA, está relacionado com a oscilação no tempo das variáveis alvo do BC: a Selic, e forma direta e o IPCA, de forma indireta.