A economia brasileira está passando por um momento raro de baixa inflação. Os motivos eu já comentei em outro artigo (“Por que a inflação está desacelerando tanto?”), mas gostaria de chamar atenção para a postura e credibilidade do atual Banco Central, que tem sido essencial para essa queda.
Desde sua posse em meados de junho de 2016, Ilan Goldfajn parece ter restabelecido a política monetária no regime de regras, mais formalmente conhecidas na meta de inflação, que apesar de estarem vigentes desde 1999 foram praticamente ignoradas pelo último banqueiro central, Alexandre Tombini.
Por esse motivo, a política monetária anterior (embora de metas) reproduzia quase que didaticamente o velho problema da inconsistência dinâmica.
Basicamente, a inconsistência dinâmica na política monetária ocorre quando o formulador, no caso o Banqueiro Central, estabelece um compromisso visando influenciar as expectativas dos agentes e depois pratica um “cavalo-de-pau” em sua política. Essa estratégia costuma apresentar retorno no curto prazo, onde há uma inflação menor com baixa taxa de sacrifício da atividade, mas num período um pouco maior acaba custando a credibilidade da instituição, como foi o caso brasileiro após 2012.
Pode-se modelar essa situação de diversas maneiras, uma delas é na lógica de Jogos. A Teoria do Jogos é amplamente usado em economia, para modelar escolhas e suas consequência em outros agentes, e o leitor fora desse mundo pode encontrar suas referências em “Entenda o que é a Teoria dos Jogos”, dos nossos amigos do Por quê? – Economês em bom português, ou então um pouco mais formal na página do IME-USP (aqui e aqui) e da EPGE-FGV (aqui).
Vamos trabalhar com uma Curva de Phillips com expectativas racionais. A equação genérica é dada por:
onde é a inflação do período , é a inflação esperada para tal período, é uma medida que pondera o efeito do hiato do desemprego em relação ao seu nível natural e ε é algum choque de preço, como por exemplo a queda/alta do preço do petróleo..
Como o Banqueiro Central afirmou que ia buscar uma dada taxa inflação em sua primeira jogada, o mercado acaba ficando amarrado na sua primeira jogada que é confiar na expectativa de inflação (), o que abre uma janela de oportunidade para a autoridade utilizar menos a política monetária numa segunda rodada para aumentar o hiato do desemprego às custas de um crescimento marginal da inflação.
O problema é que essa “traição” é punida pelo mercado na sua próxima rodada, que deixa de acreditar na proposta do agente monetária e começa a esperar uma inflação sempre acima do sugerido pela autoridade.
Então, para recuperar a credibilidade o Banqueiro Central terá que se esforçar muito mais na política monetária para trazer a inflação para o nível desejado (normalmente é mais fácil trocar o presidente da instituição).
Poderíamos demonstrar as funções da seguinte maneira:
Reaproveitando nossa Curva de Phillips citada anteriormente, vamos nos munir de uma simplificação de uma dada função de utilidade do Banco Central
onde é a taxa de desemprego natural, a taxa de desemprego no período e é a inflação. A função sinaliza que para o agente a perda de utilidade de uma inflação alta (que está elevada à ) deve ser maior que o custo de um desemprego maior (cujo hiato esta multiplicado por ), embora ambos sejam negativos. Assim, ao maximizar sua utilidade com a restrição da Curva de Phillips ele pode trabalhar discricionariamente em cima das expectativas de inflação para reduzir sua perda de utilidade, ao invés de perde-la via desemprego.
Em geral os agentes percebem que o banqueiro está tentando trabalhar mais nas expectativas do que no desemprego (eles percebem um tom nas atas e discursos, e outra atitude quando a autoridade toma a decisão final na política monetária), o que gera um viés inflacionário nas expectativas pela perda de credibilidade.
Alternativamente, o Banco Central pode munir-se de uma política monetária baseada nas regras, a tal meta de inflação. Olhando um pouco mais de perto a literatura, Bernanke et al. (1999) definiram o regime de metas de inflação como aquele no qual as ações da política monetária, com destaque para a fixação da taxa de juro, são norteadas com o objetivo explícito de obtenção de uma taxa de inflação previamente determinado. Até aqui tudo bem, nada de novo.
Mas por que adotar esse regime? Bom, Kydland e Prescott (1977), além de Barro e Gordon (1983), mostraram que a adoção de uma regra simples e clara na condução de política monetária, como por exemplo o de metas de inflação, gera um ganho social maior que a utilização de medidas discricionárias, que ficam muito refém da interpretação do banqueiro central do qual deveria ser a política.
Através dos bons e velhos modelos de expectativas racionais, os autores mostram que a utilização de medidas discricionárias – ou seja, adotar a melhor opção dada à situação – gera resultados inferiores à de uma regra de política monetária. É mais fácil da população identificar qual é a regra estabelecida, ao passo que na política discricionária fica mais difícil para a sociedade notar o problema da inconsistência temporal.
Ainda assim a adoção de metas não imuniza a sociedade do risco de um banqueiro negligente, como vimos recentemente no governo Dilma, o que implicou em sérios custos em termos de estabilidade macroeconômica e bem-estar da sociedade. A estabilização de um patamar inflacionário elevado depende das defasagens dos mecanismos de transmissão da política monetária, que em geral demandam um horizonte de tempo grande, o que costuma conflitar com os desejos dos governos – sempre voltados para o estímulo da economia e cujo horizonte de tempo é menor, limitados por calendários eleitorais.
Em suma, a interferência por parte do governo pode resultar no comprometimento da política monetária. Desta forma, nos últimos anos as economias desenvolvidas buscam a redução desse tipo de influência via uma maior autonomia para os bancos centrais.