Assim como fez com o cartão de crédito, o governo pressionou os bancos a criarem regras para o cheque especial que reduzam os riscos de inadimplência da linha que é a segunda mais cara do mercado para pessoas físicas.
As novas regras anunciadas nesta terça-feira pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que começam a vigorar em 1º de julho, são consideradas positivas por especialistas em crédito, podendo inclusive, na visão de alguns, abrir espaço para queda de juros na modalidade mais adiante, assim como ocorreu com as mudanças nos cartões de crédito. Mas há críticas.
Entre as associações de defesa do consumidor, o Procon-SP a princípio considera as novidades positivas, mas paliativas. O Idec vê pontos positivos mas também faz críticas, destacando que as mudanças não resolverão os problemas de oferta de crédito e dos riscos no uso das linhas, exigindo que o consumidor continue atento, pesquise alternativas e evite limites incompatíveis com seu nível de renda. Ou seja, assim como no cartão de crédito, o mais importante é que o correntista aprenda a cuidar de suas finanças e evite usar de maneira exagerada uma linha muito cara.
Para o Procon-SP, medidas são paliativas
As medidas são positivas, mas de caráter paliativo, diz o chefe de gabinete da Fundação Procon-SP, Carlos Coscarelli. Para ele, as novas regras não serão efetivas para evitar o descontrole e o superendividamento, cuja principal porta de entrada hoje são justamente as modalidades de cartão de crédito e cheque especial, de fácil acesso mas com as taxas mais caras do mercado.
Na avaliação de Coscarelli, um dos aspectos mais positivos entre as novidades anunciadas, que deve ajudar muito o consumidor, é o fato de que os bancos deverão avisar imediatamente o correntista quando ele entrar no cheque especial, por meio de seus canais de atendimento como caixa eletrônico, aplicativo e internet banking. “Os alertas serão ajuda importante ao consumidor. A oferta de opções mais baratas pelos bancos, por exemplo, é algo que já vem ocorrendo no mercado”, destaca.
Pouco efeito para o barateamento nas taxas
Ele não vê, no entanto, maior efetividade nas medidas como indutoras de redução importante das taxas de juros na ponta do crédito. Para Coscarelli, ainda que as taxas nominais desses empréstimos venham a cair após a opção de parcelamento, como ocorreu depois das mudanças no sistema rotativo do cartão de crédito, em fevereiro do ano passado, com recuo de patamar de mais de 400% ao ano para 350% ao ano, isso não traz maior alívio ao consumidor.
“Continuam sendo taxas praticamente impagáveis, e ainda se dependerá de vontade do mercado, dos bancos, para reduzí-las”, ressalta. A principal orientação do representante do Procon, portanto, continua sendo que as pessoas evitem usar o cheque especial e o cartão de crédito rotativo, a não ser em casos emergenciais e pelo menor tempo possível.
Consumidor continuará pagando juros sobre juros e com dificuldades, diz Idec
Para o Idec, a ação é educativa, mas não resolve o problema da oferta de crédito e não diminui os riscos da utilização e de refinanciamento do saldo. “O consumidor continuará pagando juros sobre juros e ainda terá dificuldade para entender, tendo a evolução do saldo”, diz em nota Ione Amorim, economista da entidade.
O Idec lembra que o cheque especial é uma modalidade de crédito rotativo muito cara. E que contribui para comprometimento financeiro dos consumidores, com taxas de juros que, em média, atingem 324% ao ano, o que leva uma dívida de R$ 1.000, em um ano, para R$ 4.240. Destaca ainda que, segundo dados do Banco Central, o serviço ocupa a terceira posição no ranking de inadimplência, com 13,6%, atrás apenas das dívidas com cartão de crédito (33,2%) e das operações de renegociação de dívidas (17%).
Entidade quer esclarecimentos e vai sugerir mudanças
Além de alertar os clientes quando entrarem no limite, as instituições financeiras deverão oferecer linha de crédito mais barata cinco dias úteis após verificarem que o consumidor está há um mês com mais de 15% do limite comprometido, desde que o saldo devedor seja superior a R$ 200 ao fim desse período. Caso o correntista rejeite a proposta, novas ofertas de parcelamento serão oferecidas mensalmente.
No entanto, na avaliação do Idec, “a autorregulação da Febraban não deixa claro como será a composição do saldo acrescido dos juros do período e se haverá custos adicionais embutidos no parcelamento”. Além disso, a norma não define por quanto tempo o consumidor que não optar pelo parcelamento poderá permanecer no ciclo de juros sobre juros”, diz Amorim. Ela afirma que o Idec irá solicitar o aprimoramento das normas e acompanhará a publicidade em torno da medida.
Informações e possibilidade de acordo vão beneficiar correntistas
A medida mais efetiva, entre as anunciadas pela Febraban, na visão do Idec, será a separação do limite do cheque do saldo em conta corrente. Assim, os consumidores saberão de forma clara qual valor corresponde ao seu saldo em conta corrente e qual é relativo ao limite do cheque especial, evitando que se iludam com informações como “saldo disponível para saque” incluindo o empréstimo.
Outro ponto positivo apontado é a possibilidade de existir uma regulamentação pelo Banco Central para garantir que os correntistas de fato tenham acesso a acordos, assim como ocorreu com rotativo do cartão de crédito, com regras que entraram em vigor no ano passado e ajudaram a reduzir os juros do rotativo.
Consumidor deve comparar ofertas e evitar limite incompatível com renda
Aos consumidores, a orientação do Idec é que, apesar de as novas regras parecerem atrativas, o consumidor deve ficar atento a oferta de cheque especial na abertura da conta, pesquisar créditos alternativos, e evitar limites incompatíveis com seu nível de renda. A entidade sugere ainda solicitar a redução do limite para evitar a utilização do cheque especial.
Anefac vê novidades como positivas
Para o diretor de pesquisas econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel de Oliveira, as medidas são positivas e devem ser mais um fator a permitir alguma melhora de condições de crédito, com redução gradual de juros na ponta dos tomadores, a exemplo do que ocorreu com os cartões de crédito. Ele também lembra, porém, que isso dependerá de como os bancos implementarão as novas regras. “Teremos de aguardar para ver”, destaca.
Para Oliveira, esse movimento não ocorrerá de forma isolada, mas com a soma de outros fatores de conjuntura, como Selic mais baixa, inflação em queda, aquecimento moderado da economia, liberação de compulsórios, maior participação no mercado de fintechs e cooperativas de crédito, maior estímulo à concorrência e implementação de cadastro positivo, entre outros.
Taxas poderão se aproximar da média do crédito pessoal
Levando em conta esse cenário, e colocando de lado riscos internos e externos, como as eleições presidenciais no Brasil e pressões sobre a cotação do dólar, ele acredita que a nova modalidade parcelada poderá ter juros próximos de 7,02%, atual média cobrada pelos bancos (sem incluir o consignado) no crédito pessoal. Caso isso ocorra, com boa adesão dos consumidores ao parcelamento do cheque especial, Oliveira estima que essas operações poderão, até o fim do ano, puxar para baixo a média dessa modalidade de crédito, que hoje está em 12,8% ao mês (324% ao ano) para a casa de 10% ao mês.
Educação financeira e ampliação do diálogo entre banco e cliente
Hilgo Gonçalves, presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), diz que o ponto central na definição de novas regras para o cheque especial é que a ação estimula a educação financeira, chamando a atenção do consumidor para que ele “ganhe maior consciência na utilização de crédito, podendo fazer, cada vez mais, melhores escolhas”. No caso dos bancos e instituições financeiras, o importante, segundo ele, “é que assim se estimula o diálogo, a oferta de linhas de crédito adequadas para os diferentes produtos e necessidades dos clientes”.