O leilão de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) ocorreu nesta sexta-feira (30) na B3 e superou as expectativas do governo fluminense, arrecadando cerca de R$ 22,7 bilhões com três dos quatro blocos arrematados, ante uma outorga mínima total R$ 10,6 bilhões.
As empresas de saneamento Aegea e Iguá venceram a disputa pela maior parte dos ativos da companhia fluminense de saneamento, com ofertas de mais de 100% de ágio. O bloco 3, contudo, foi declarado sem vencedor, algo que não era previsto pelo governo do estado do Rio de Janeiro.
Trata-se da maior concessão de infraestrutura de saneamento da história do país e ocorre cerca de um ano depois da aprovação do marco legal do setor. O leilão pôs fim a meses de incertezas em torno da concessão dos ativos da empresa, em meio a críticas pela qualidade da água oferecida no Rio de Janeiro.
Até esta semana, disputas judiciais ameaçaram o leilão, com a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro chegando a aprovar texto que tentava bloquear o leilão nesta sexta-feira.
Os contratos são de 35 anos e envolvem investimentos de cerca de R$ 30 bilhões. A modelagem foi preparada pelo BNDES. O objetivo, além da distribuição de água, é obter a universalização da coleta e tratamento de esgoto para cerca de 13 milhões de pessoas. A Cedae continuará existindo, por meio da captação e venda de água para concessionários.
A Equatorial (EQTL3), que era uma das promessas do leilão, não foi a vencedora em nenhum dos blocos, o que fez com que os papéis intensificassem as perdas durante a tarde e fechassem em queda de cerca de 3%.
Confira os vencedores da disputa:
Bloco 1
O consórcio Aegea foi o vencedor do leilão do Bloco 1 da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), com o lance de R$ 8,2 bilhões após uma disputa acirrada. O ágio da proposta é de 103,13%.
O Bloco 1 se refere à Zona Sul e mais 18 municípios, e a outorga mínima era de R$ 4,036 bilhões.
Como a diferença entre as propostas foi superior a 20% do maior lance inicial, a disputa foi a viva-voz, com lote inicial de R$ 7,5 bilhões (feito pela Iguá Saneamento), com lances máximos de R$ 100 milhões acima da maior proposta ofertada no momento de abertura dos envelopes.
Iguá, Aegea e Redentor participaram da disputa acirrada no viva-voz.
Antes do viva-voz, a oferta inicial da Aegea foi de R$ 5,974 bilhões, enquanto a do Consórcio Redentor foi de R$ 6,434 bilhões e a da Rio Mais Operações de Saneamento de R$ 4,156 bilhões.
Bloco 2
O consórcio Iguá foi o vencedor do leilão do Bloco 2, com o lance de R$ 7,286 bilhões. O ágio da proposta foi de 129,68%. A disputa pelo bloco não foi a viva-voz.
O Bloco 2 engloba Barra da Tijuca, Jacarepaguá e mais 2 municípios, e tinha outorga mínima de R$ 3,172 bilhões.
A Aegea retirou a proposta de concorrência pelo lote.
A Rio de Janeiro Mais Operações de Saneamento tinha oferecido R$ 4,758 bilhões, enquanto o Consórcio Redentor deu lance de R$ 4,511 bilhões.
Bloco 3
Para o lote 3, formado pela zona oeste do Rio de Janeiro e seis cidades, apenas um grupo havia se credenciado, a Aegea, mas pelas regras do edital, a empresa podia desistir e o fez. O leilão, que contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi então encerrado.
Porém, o secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro, Nicola Miccione, afirmou que o governo poderá relicitar o bloco com a inclusão com outros municípios. Além das cidades envolvidas no leilão, a Cedae atende cerca de outros 30 municípios que preferiram não ter serviços de saneamento incluídos no leilão.
O diretor de infraestrutura do BNDES, Fabio Abrahão, afirmou que o banco poderá colocar o bloco 3 de volta a leilão ainda este ano, acrescido de outras cidades, dependendo das negociações com o governo do Estado e prefeituras.
“Foi a segunda maior desestatização do país desde a privatização das telecomunicações. Foi um voto de confiança muito sólido no Brasil por parte do capital nacional e internacional”, disse Abrahão.
Na carteira de projetos de saneamento do BNDES previstos para este ano ainda estão o leilão no Amapá, esperado para o terceiro trimestre, com investimento estimado em cerca de 3 bilhões de reais, e o de Porto Alegre, disse Abrahão.
Entenda a situação do único bloco sem propostas
Uma nova modelagem será preparada, de acordo com comunicado do secretário da Casa Civil, Nicola Miccione. “Existem prefeituras que não entraram neste edital, mas que, após a adesão, demonstraram interesse na concessão. O governo e o BNDES vão estudar a oportunidade de relicitação do bloco”, informa a nota.
No cerne de como o bloco foi ofertado, estão 22 bairros, como Campo Grande, Bangu e Santa Cruz, da chamada Área de Planejamento 5 (AP5) da capital, onde por décadas o crescimento se deu de forma desordenada e com uma infraestrutura de saneamento precária, que contribuiu para a degradação da Baía de Sepetiba, numa agonia sem os mesmos holofotes da Baía de Guanabara. A região é o endereço de 1,8 milhão de pessoas. Mas, no pregão de ontem, ao contrário das demais áreas, ali estavam em jogo apenas os serviços de abastecimento de água, uma vez que os de esgotamento estão concedidos pela prefeitura do Rio, desde 2012, à empresa Zona Oeste Mais Saneamento.
Nesse período, houve avanços na coleta e tratamento de efluentes, com mais de R$ 650 milhões investidos. Dados mais recentes da prefeitura, com base no Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) mostram que o percentual de esgoto tratado saltou de 17,9% nove anos atrás, para 44,9% em 2019.
Não é suficiente ainda para tirar rios desses locais da lista do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) que dos que têm pior índice de qualidade da água. É o caso, por exemplo, da Vala do Sangue e do Piraquê, que ficam em áreas ainda sem redes coletoras. Nesse pedaço da cidade, o desafio também é grande no que diz respeito ao fornecimento de água. Sobretudo em bairros como Guaratiba, Sepetiba e Santa Cruz, persistem deficiências, apesar de a cobertura em todo o município ficar em 98,4%. Mapeamentos da prefeitura mostram que, por lá, ainda há vazios de rede que precisam ser resolvidos.
Outro problema é de segurança, que se agravou com o crescimento de loteamentos irregulares e de favelas. O surgimento das milícias é um fator que prejudica a chegada de alguns serviços à população, já que alguns deles são explorados economicamente por esses grupos paramilitares. Quinze bairros da Zona Oeste registram atuação desses grupos criminosos, de acordo com levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF). A região é a base da maior milícia do Rio, chefiada por Wellington da Silva Braga, o Ecko. E em alguns trechos, como Bangu e Realengo, segue havendo confrontos entre paramilitares e traficantes. Apesar disso, o pouco interesse despertado pelo Bloco 3 do leilão é atribuído principalmente a menor densidade demográfica, o que reduziria o retorno dos investimentos necessários no negócio.
Bloco 4
No leilão bloco 4, assim como no bloco 1, foi aberta a disputa em viva-voz. O consórcio da Aegea venceu a disputa pelo lote 4 do leilão de ativos da Cedae, com oferta de outorga de R$ 7,2 bilhões, um ágio de quase 188% sobre o valor mínimo, após uma disputa acirrada.
O grupo venceu na fase de viva-voz da disputa o consórcio Redentor, integrado pela Equatorial (EQTL3). O Rio Mais Saneamento não entrou na disputa porque ofereceu valor 20% abaixo da maior oferta.
Declarações de autoridades
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, comemorou o sucesso do leilão. Dirigindo-se ao presidente Jair Bolsonaro, presente no evento, Marinho afirmou que o sucesso do leilão só foi possível porque Bolsonaro “teve decisão e liderança para destravar nó no parlamento (lei do Saneamento)”, referindo-se à lei sancionada no ano passado e que criou um novo marco para o setor.
O ministro acenou também ao governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, afirmando que agora ele terá condições de melhorar as condições da população fluminense “Tem que continuar apostando que vamos fazer esse País muito melhor do que ele é. Outras reformas certamente virão, a responsabilidade é muito maior agora”, afirmou.
Marinho destacou os investimentos que serão feitos no que está sendo considerado o maior projeto de infraestrutura do Brasil, com previsão de recursos da ordem de R$ 30 bilhões para melhorar os serviços de distribuição e tratamento de esgoto do município.
Já Cláudio Castro, governo do Rio, afirmou que “o leilão da Cedae é a prova de que estamos fazendo o dever de casa”, dirigindo-se a Bolsonaro e Guedes, entre outras autoridades. Castro destacou que serão criados 26 mil novos empregos e investidos R$ 30 bilhões nos próximos 35 anos, melhorando a qualidade dos serviços para a população. Segundo ele, 12 milhões serão beneficiadas com a privatização dos serviços.
Bolsonaro avaliou o leilão como um marco na história e economia do País. “Esse é o momento que marca a nossa história, a nossa economia. O governo voltado para a liberdade de mercado, na confiança dos investidores e na crença que o Brasil pode ser diferente”, disse. Em seguida a sua fala, o presidente fez a tradicional batida de martelo que encerrou a cerimônia.
Guedes também comemorou: “Confiança no Brasil, esse é o resultado”. Guedes falou rapidamente e durante a sua curta fala, repetiu por várias vezes a palavra “confiança” como a causadora do sucesso do leilão.
Para ele, é a confiança na economia de mercado, é a confiança dos investidores na economia brasileira que levaram ao resultado da outorga, com projeção de R$ 100 bilhões de investimentos no setor de água e esgoto do Estado do Rio de Janeiro.
“É o maior programa de saúde e ambiental do Brasil”, disse Guedes, acrescentando que o Brasil vai vencer e passar pelas duas ondas de crise, a econômica e a sanitária. “O Brasil vai retomar o crescimento e teremos dias melhores pela frente”, concluiu o ministro.
O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, afirmou que os investimentos serão responsáveis pela geração de 50 mil empregos e pelo benefício a 12 milhões de pessoas. “Mobilizamos um capital de privatização que não se via desde a privatização da Vale”, destacou.
Segundo Montezano, o certame representa iniciativas para reduzir a desigualdade social no País. “O Rio está enfim recebendo uma oportunidade única de sair do século XIX e passar para o XXI”, disse. O representante também agradeceu os prefeitos do Rio de Janeiro, por aderirem à realização do certame. “Parabéns aos 35 prefeitos que aderiram a esse projeto, desconheço na América Latina obra com tamanho impacto ambiental”.
(com Reuters e Estadão Conteúdo)