A aquisição do Credit Suisse (NYSE:CS) pelo UBS (NYSE:UBS), arranjada pelos reguladores suíços, levantou uma perspectiva desconfortável para os investidores em uma classe de títulos popular entre os bancos europeus.
Os reguladores disseram que o valor dos chamados títulos adicionais de nível 1 do Credit Suisse, ou AT1s, no valor de cerca de US$ 17 bilhões no total, seria reduzido a zero. O tipo de títulos também é conhecido como títulos conversíveis contingentes, ou Cocos, e o mercado para eles vale cerca de US$ 250 bilhões.
Quando uma empresa entra em colapso, há uma hierarquia estabelecida para quem será pago de volta com os fundos que sobraram. Os detentores de títulos são pagos antes dos acionistas – e se o preço das ações de uma empresa cair para zero, os acionistas não receberão nada de volta.
Mas os acionistas do Credit Suisse conseguiram algo, ou seja, ações do UBS. Foi um preço baixíssimo, menos da metade do valor de mercado do Credit Suisse no fechamento de sexta-feira. Mas os acionistas estão sendo compensados, enquanto os detentores de títulos AT1 não estão recebendo nada.
Isso se somou às ondas de choque nos mercados na segunda-feira. Dois fundos negociados em bolsa Coco despencaram em valor. O Invesco AT1 Capital Bond UCITS ETF (AT1) caiu mais de 6%. O ETF WisdomTree AT1 Coco Bond UCITS (COCB) caiu cerca de 9%.
A baixa foi apenas uma das concessões concedidas ao UBS pelos reguladores para fechar o negócio. O UBS conseguiu comprar todo o Credit Suisse, que teoricamente tem US$ 45 bilhões em ativos em seus livros, por apenas US$ 3 bilhões. O UBS também obteve garantias estatais contra perdas desses ativos. Mas a concessão dos AT1s mostra como as regras usuais para os investidores podem ser jogadas pela janela em uma crise.
Compra do Credit alivia mas não afasta crise
O acordo para a compra do Credit Suisse pelo UBS trouxe algum alívio no mercado financeiro nesta segunda, 20, mas foi incapaz de eliminar por completo as preocupações com a saúde do sistema bancário global. Na Europa e nos Estados Unidos, os principais índices acionários fecharam em alta, mas, na Ásia, houve queda. No Brasil, o Ibovespa recuou 1,04%. Em Zurique, a ação do Credit caiu 55,74% e a do UBS subiu 1,26%.
Anunciado no domingo, 19, o negócio de US$ 3,25 bilhões encampado pelo UBS marcou apenas mais um capítulo do abalo recente no sistema bancário, depois da quebra de dois bancos médios nos EUA – Silicon Valley Bank (SVB) e o Signature Bank – e da crise no First Republic Bank.
“Parece que o caso do Credit Suisse foi encaminhado, mas ninguém sabe se outras instituições terão problema. Tem uma preocupação com o contexto global”, diz Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
Na defensiva
O economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, acrescenta que as informações sobre a transação suíça são escassas, o que dificulta uma análise mais consolidada por parte dos agentes do mercado. “Todo mundo está sem muita informação e esperando. Quando o mercado está sem informações, o prêmio de risco aumenta.”
Para Padovani, a sinalização dada pela presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, de que os principais BCs do mundo possam atuar de forma coordenada para conter a crise também deixa os investidores cautelosos. “Isso sugere que as autoridades estão preocupadas.”
O dia também foi marcado por um outro temor. Na venda do Credit Suisse, os títulos de maior risco, que somavam cerca de US$ 17 bilhões, tiveram de ser eliminados para que a conta pudesse fechar para o UBS, o que catapultou uma nova onda de temor, com reflexos no mercado global de títulos de dívida (os chamados bonds). A principal preocupação de investidores é de que eles podem estar expostos a um risco maior do que previam em relação aos bancos.
Entre os títulos que os bancos usam para captar recursos e atender exigências regulatórias de capital, um dos mais comuns é AT1 ou ‘Additional Tier 1 Bonds’, um instrumento de dívida subordinada semelhante a um bônus perpétuo, ou seja, sem data de vencimento, sem garantia e não conversível. Nesse instrumento, o banco não paga o valor do principal captado, mas juros aos investidores que compram. Quando o capital de um banco cai abaixo de um determinado nível mínimo, o regulador pode forçar a conversão desses papéis ou simplesmente eliminá-los, o que ocorreu com o Credit Suisse.
Embora haja uma preocupação internacional com o setor bancário, os analistas dizem que o cenário atual é diferente do observado na crise financeira de 2008 e 2009. Nos últimos anos, a regulação ficou mais dura, os bancos centrais parecem agir agora de forma mais rápida do que fizeram no passado, e as instituições financeiras estão menos alavancadas.
Sobreposição com o UBS gera apreensão no escritório em SP
No escritório do Credit em São Paulo, a segunda-feira foi mais de perguntas do que de respostas. Um executivo, que pediu para não ter o seu nome revelado, descreveu o dia como “bastante agitado, cheio de dúvidas” e contou que havia recebido várias ligações de clientes em busca de entender o que estava acontecendo.
Entre as preocupações na equipe, estava o risco de demissões com a sobreposição dos negócios com o UBS na área de banco de investimento e a potencial venda de novas partes do negócio.
Os bancos ainda não detalharam como as operações brasileiras serão afetadas. No País, as duas instituições têm atividades parecidas, com o foco na gestão de grandes fortunas, em fusões e aquisições e na emissão de dívidas de companhias e ações. “Nenhum deles se envolveu no varejo quando houve uma onda de estrangeiros”, disse Luis Miguel Santacreu, analista de risco da Austin Rating.
Os dados do BC mostram que em 2022 o Credit Suisse tinha cerca de R$ 42 bilhões em ativos e o UBS, R$ 1,2 bilhão.
Com informações do Estadão