Uma das maiores fraudes contábeis do mundo corporativo brasileiro fez a Americanas transformar o lucro líquido de R$ 721 milhões em 2021, comemorado à época com o maior resultado de sua história, em um prejuízo bilionário, que chegou R$ 6,2 bilhões naquele ano e que dobrou em 2022, para quase R$ 13 bilhões. Depois de uma longa espera, e 11 meses após a revelação da fraude, os números foram revelados nesta quinta-feira, em documentos que acusam diretamente a antiga gestão pelos problemas.
“O que aconteceu é manipulação dolosa dos controles internos da companhia pela antiga gestão. E isso não tem a ver com métricas de desempenho, mas com caráter daqueles que deveriam ser os maiores defensores de Americanas”, afirmou o CEO da rede de varejo, Leonardo Coelho, em uma longa teleconferência com analistas e investidores, que durou quase 2 horas, a primeira conversa da administração da companhia com o mercado desde o anúncio da fraude, em 11 de janeiro.
Naquele dia, revelou-se que o rombo fora de R$ 20 bilhões. Agora, com os dados de 2022 e 2021 revisados, a estimativa mais precisa é de R$ 25,2 bilhões, número próximo do estimado em junho, quando o grupo parou de chamar o episódio de “inconsistência contábil” e a passou a usar o termo fraude. “As demonstrações financeiras de hoje representam de forma fidedigna tudo aquilo que a gente encontrou na operação relacionada a fraudes”, garante Coelho.
Com o reconhecimento da fraude, o endividamento da Américas aumentou em bilhões. A dívida líquida encerrou 2022 em R$ 26,287 bilhões. Até então, até setembro do ano passado, havia informado um passivo mais de cinco vezes menor, de R$ 5 bilhões. Já a dívida bruta de curto prazo ficou em R$ 37 bilhões, aumento de 35,4% em um ano.
Para capitalizar a empresa, o trio de acionistas – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – vão colocar R$ 12 bilhões. Mais R$ 12 bilhões virão da conversão de dívidas em ações. ” Ninguém coloca R$ 24 bilhões em uma empresa que vai falir”, disse Coelho ao Broadcast.
Além do rombo, os números revelaram um patrimônio líquido negativo em R$ 26 bilhões, ou seja, a rede de varejo não tem hoje ativos o suficiente para honrar todas as obrigações. Com o plano de recuperação judicial aprovado e a reestruturação, a expectativa é que este número volte a ficar positivo em 2025. “A virada no patrimônio líquido depende exclusivamente da aprovação do plano de RJ”, disse a diretora financeira da Americanas, Camille Faria, na teleconferência.
Sem opinião
O esperado balanço veio sem a opinião da empresa de auditoria contratada pela Americanas para fazer a avaliação independente de seu balanço, a BDO. Os auditores questionaram ainda a viabilidade operacional da rede de varejo.
“Não nos foi possível obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para fundamentar nossa opinião de auditoria sobre essas demonstrações contábeis individuais e consolidadas”, afirma a BDO em relatório que acompanha as demonstrações financeiras.
Em meio a “múltiplas incertezas”, a BDO observa que não foi possível reunir evidência de auditoria apropriada e suficiente para concluir se a utilização do pressuposto de continuidade operacional é apropriada.
A diretora financeira da Americanas (BOV:AMER3) afirma que os números de 2022 e 2021 foram todos auditados. “Vocês vão ver que houve uma abstenção de opinião, que está essencialmente ligada ao fato de a companhia estar em recuperação judicial”, disse na teleconferência, em meio a perguntas sobre a auditoria do balanço. Sem ter um plano de RJ aprovado, o que o comando da rede de varejo espera que ocorra ainda este ano, Faria disse que a companhia, claro, tem dúvidas em relação a sua continuidade. “Por conta disso, não resta outra opção aos auditores que uma abstenção de opinião enquanto a companhia não aprovar seu plano”, completou.
O trio – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – também aparece nos casos da AMBEV e Kraft-Heinz. O que pensar dessas figuras?