O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu nesta quarta-feira elevar a taxa básica de juros, a Selic, em 25 pontos-base, a 10,75% ao ano, em decisão unânime e em linha com o previsto pela maior parte do mercado, pontuando que o ritmo de ajustes futuros na taxa básica dependerá da evolução da dinâmica da inflação.
As próximas decisões e a magnitude do ciclo iniciado “serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, afirmou o Copom, em recado visto como duro, ou “hawkish” por parte do mercado, com leituras de aceleração do ritmo de alta em novembro.
O contribuidor do TC, Alex Martins, destacou o fato de o BC não ter feito nenhum comentário sobre melhorias no cenário desde a última reunião, em 31 de julho, bem como a falta de guidances. “Não só deixa em aberto a opção de acelerar o ritmo, como não se propõe a pôr uma taxa terminal”, afirmou.
O Copom também avaliou haver assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação, citando a desancoragem das expectativas por período mais prolongado como um dos riscos altistas. Uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada, em função de um hiato do produto mais apertado, e uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada também foram apontados como riscos de alta.
Entre os riscos baixistas, o colegiado apontou uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, e os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado – sem mudanças frente ao comunicado da decisão anterior, de julho.
EXTERIOR
A decisão do Copom segue-se ao corte de 50 pontos-base promovido pelo Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) nesta tarde, resultando em um ciclo monetário dessincronizado entre Brasil e EUA – o terceiro em um período de 15 anos, de acordo com o JPMorgan. A magnitude do ciclo de alívio do FOMC, no entanto, pode diminuir o esforço de aperto pelo Copom, na avaliação de operadores.
Embora o chair do Federal Reserve, Jerome Powell, tenha minimizado riscos de recessão na economia norte-americana, em coletiva de imprensa no meio da tarde, o Copom apontou no comunicado desta noite que “o ambiente externo permanece desafiador”, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed.
Na avaliação do colegiado, o ambiente externo, marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre países, segue exigindo cautela de emergentes – mesma estrutura utilizada na reunião de 31 de julho, que antecedeu o “sell-off” observado nos mercados acionários globais em 5 de agosto.
O Copom também reavaliou o hiato do Produto Interno Bruto ao campo positivo – medida esta antecipada por alguns players de mercado – diante de um dinamismo maior do que o esperado de indicadores da atividade econômica e do mercado de trabalho. “A inflação medida pelo IPCA cheio, assim como medidas de inflação subjacente, se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes”, complementou.
De acordo com o Copom, a resiliência na atividade, pressões do mercado de trabalho, hiato do PIB positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam uma política monetária “mais contracionista”.
O Copom retomou o ciclo de aperto monetário nesta noite diante da desancoragem das expectativas inflacionárias e um balanço de dados preocupante desde a última reunião do colegiado, em julho. Uma taxa de câmbio depreciada em cerca de 1% desde a última reunião e uma atividade econômica acima do consenso, na esteira de um forte mercado de trabalho, justificam a alta de 25 pontos-base na decisão desta noite, na visão de operadores consultados pela Mover.
PROJEÇÕES
Em suas projeções no cenário de referência, o Copom elevou a estimativa de inflação ao fim de 2024 a 4,3%, ante 4,2% estimados em julho. Para 2025, as estimativas avançaram a 3,7%, ante 3,6%. O Copom também projetou inflação de 3,5% no primeiro trimestre de 2026 – horizonte relevante – ante 3,4% estimados em julho.
Copom foi direto ao ponto ao citar riscos de alta para a inflação, dizem economistas
O Copom optou por um comunicado mais duro (“hawk”) nesta quarta-feira ao explicitar os motivos que levaram à decisão de elevar a taxa Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,75% ao ano. Embora não tenha sido citado explicitamente uma orientação para as decisões, os economistas dizem que os fatores de pressão inflacionárias expostos e as novas projeções de inflação cumpriram essa função.
Caio Megale, economista chefe da XP disse em live do InfoMoney no Youtube que o BC colocou claramente os desafios que ele tem pela frente, uma vez que a inflação medida pelo IPCA está em 4,5%, no limite de tolerância da meta de 3%.
“Rodar na banda de tolerância não é atingir a meta. Quando BC roda as projeções, nos traz uma dica de como está vendo o futuro da taxa de juros”, comentou, explicando que a sinalização é que a Selic que está hoje no Boletim Focus não será suficiente, ou seja, precisa fazer mais.
Ele ponderou que será preciso avaliar vários fatores que podem interferir nas decisões, como o patamar de juros do Fed, que podem impactos a taxa de câmbio, e o rumo da atividade econômica.
Já Rodolfo Margato, economista da XP, destacou em comentário a ênfase dada pelo Copom ao chamado “hiato do produto”, a diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial, que entrou no campo positivo, elevando o risco inflacionário. “A atividade econômica e o mercado de trabalho vêm apresentando um dinamismo maior que o esperado”, comentou. Nos cálculos da XP, esse hiato está hoje em torno de 0,5%.
O economista citou ainda o destaque dado pelo BC à assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, mais riscos para a inflação subir do que cair e as projeções de inflação. Nesse último caso, chamou atenção para a projeção de IPCA anualizado no 1º trimestre de 2026, de 3,5%, acima até das projeções do mercado.
A mensagem crucial, segundo Margato, veio no último parágrafo, com a menção de que “a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação”.
Rafaela Vitória, economista chefe do Inter, afirmou que, apesar de não haver mudança significativa no cenário de inflação, o Copom deve seguir com um curto ciclo de alta, com o objetivo de reancorar as expectativas e acelerar a convergência da inflação para a meta.
“Um aumento do ritmo de alta para 50 pbs poderia ser considerado, caso ocorra uma reaceleração da inflação e piora nas expectativas, o que poderia ser resultado de nova deterioração fiscal seguida de impacto no câmbio”, comentou.
No entanto, ela lembrou que, com o início do corte de juros pelo Fed e o cenário de arrefecimento global, a pressão cambial tende a reduzir pelo maior diferencial de juros.
“O cenário de um ciclo curto de alta na Selic, seguido da retomada dos cortes em 2025 pode ser reforçado caso o governo volte a apresentar controle do crescimento de gastos públicos, na direção do cumprimento da meta fiscal, o que iria beneficiar a trajetória de desinflação, bem como aliviar o prêmio de risco nos ativos, incluindo a taxa de câmbio.”
Leonardo Costa, economista do ASA, também citou o comunicado do Copom de setembro como mais “hawk”, muito por conta do reconhecimento da assimetria do balanço de riscos para a inflação. E com a leitura de que o hiato do produto está positivo, uma vez que, até então, essa leitura era lida como neutra, ou até mesmo negativa.
Ele comentou ainda que o BC não se comprometeu com o ritmo de aumento de juro das próximas reuniões, se colocando dependente dos próximos dados de inflação, especialmente das medidas de núcleo. “Apostamos em mais duas altas de 50 bps nas reuniões de novembro e de dezembro, encerrando o ciclo em 12% na reunião de janeiro de 2025.”
Na opinião de Luis Cezário, economista chefe da Asset 1, foi interessante notar que o Copom optou por não dar um guidance explícito para a próxima reunião, deixando em aberto o ritmo e o tamanho total do ajuste que deverá fazer.
“Contudo, a combinação de uma projeção de 3,5% para o primeiro trimestre de 2026 e o balanço de riscos com assimetria altista sugerem que o Copom deve estar vendo atualmente a necessidade de um ciclo total de 150 bps a 200 bps de alta. Se este for o tamanho do ajuste a ser feito, acreditamos que o cenário mais provável é o Copom acelerar o ritmo de alta de juros para 50 bps a partir da próxima reunião.”
Rafael Yamano, economista da SulAmérica Investimentos, também reconheceu que o Copom não deu indicação sobre o que vai fazer na próxima reunião, seguindo no ritmo gradual ou acelerando para 50 pbs de alta por reunião. Mas disse acreditar em mais contração. “Nos parece mais provável que ele deve acelerar na próxima reunião. Assim, deixa a porta aberta para qualquer movimento”, afirmou.
Para Guilherme Jung, economista da Alta Vista Research, o comunicado destacou o ambiente externo desafiador, com um momento de inflexão no ciclo econômico dos EUA, gerando incertezas sobre a desaceleração, a desinflação e o futuro da política monetária do Fed.
“Além disso, a menor sincronia entre os ciclos de política monetária nos principais países exige cautela, especialmente para as economias emergentes. A atividade econômica e o mercado de trabalho no Brasil seguem surpreendendo positivamente, com crescimento acima do esperado”, destacou.
Assim, para Jung, a decisão do Copom não surpreendeu, uma vez que o cenário segue delicado. “O diferencial de juros em relação ao exterior deve ajudar a aliviar o câmbio, mas as expectativas inflacionárias estão desancoradas e o quadro fiscal segue sem avanços claros. Mesmo com a Selic elevada, o mercado enxerga a necessidade de manter a taxa em patamar contracionista por mais tempo e o juro neutro se deslocou para patamares mais elevados.”
Para Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, no entanto, os próximos passos estão em aberto e vão depender dos dados, embora o Copom tenha ressaltado que um ciclo foi iniciado.
Igor Campos, portfolio manager de Renda Fixa da Gauss Capital, diz que a mensagem, apesar de dura, é necessária e condiz com cenário econômico atual. “O Banco Central, ao se colocar à frente novamente do processo do ajuste monetário, vai conseguir colher benefícios à frente com uma melhora do câmbio e das expectativas.”
Selic a 10,75%: como investir em ações, renda fixa, FIIs e fundos de investimento
Geralmente, quando a Selic sobe, a Bolsa reage negativamente e a curva de juros inclina para cima. Desta vez, uma série de fatores fez com que a ordem se invertesse e a expectativa é de mais confiança para investir em ações e prêmio de risco menor na renda fixa.
A diferença maior entre juros americanos e brasileiros é um dos principais fatores de otimismo, já que o investidor estrangeiro pode vir para cá em busca de retornos maiores. A credibilidade que o Banco Central passa ao subir a Selic perto de uma troca de comando também agrada o mercado. Confira o que especialistas recomendam em ações, renda fixa, fundos imobiliários, investimentos no exterior e fundos de investimento:
Renda Fixa
Nos títulos públicos, é unanimidade que o Tesouro Selic segue como instrumento importante para a composição de carteira, especialmente pagando, agora, pouco mais de 10,75% ao ano. Nos papéis que sofrem marcação a mercado, a preferência segue no Tesouro IPCA+, para aproveitar a rentabilidade de cerca de 6,20% acima da inflação.
Fábio Guarda, sócio e gestor da Galapagos Capital, acha que os ativos atrelados à inflação mais longos podem se beneficiar do fechamento das taxas, mas alerta que essas posições ainda podem sofrer volatilidade no curto prazo. A alta da Selic traz confiança para atuação do BC e diminui o prêmio de risco para investir no Brasil, mas ainda há outros fatores que devem fazer as taxas balançarem.
Já no crédito privado, os gestores esperam os spreads voltarem a um nível atrativo. O mercado de capitais tem emissores que pagam pouco (ou nada) a mais que um título público, o que “não compensa o risco”, segundo Ricardo Nunes, CIO de crédito da Paramis Capital.
Os dois gestores citam os FIDCs (fundos de investimento em direito creditório) como alternativas melhores aos ativos mais líquidos, como debêntures. “Se provou como um instrumento eficiente para direcionar riscos via regras de subordinação com remuneração variando de acordo com a ordem de recebimento”, explica Nunes. Esses fundos foram liberados para todos os investidores em outubro, mas ainda há algumas barreiras para quem não conhece a modalidade.
Ações
Analistas veem a Bolsa brasileira com alguns percalços no curto prazo, mas o otimismo é unanime quando o horizonte projetado é maior. Renda fixa atrativa e fluxo ainda tímido de entrada de investidores estrangeiros são fatores listados por Fernando Donnay, sócio e Head de fund of funds da G5 Partners, como preocupantes para os próximos meses.
Porém, ações com valuation historicamente abaixo da média e boas perspectivas de crescimento de lucro das empresas pesam positivamente no longo prazo e animam o especialista. Ele cita bancos e utilidades públicas (que tem companhias de energia elétrica e abastecimento de água) como boas opções para atravessar o curto prazo mais conturbado.
Já Paulo Abreu, gestor e sócio da Mantaro Capital, também confiante no bom desempenho da Bolsa, destaca duas ações em setores considerados mais arriscados: Rede D’Or (RDOR3) e Lojas Renner (LREN3). A empresa de saúde “é uma das melhores alocadoras de capital do Brasil e deve ter lucro crescente nos próximos anos”, enquanto a varejista “está começando a colher os frutos de seus investimentos”, justifica.
Investir no exterior
A alta da Selic combinada com o corte de juros nos EUA cria uma distância maior entre as taxas dos dois países e deve atrair investimentos para o Brasil, que agora tem remuneração ainda maior que a americana. Analistas projetam o real ganhando força ante o dólar, o que deve diminuir a barreira de entrada nos EUA.
A renda fixa americana ainda é uma boa opção para trazer segurança à carteira, segundo Mário Nevares, sócio responsável por investimentos internacionais na G5 Partners. Ele destaca os papéis com vencimento entre quatro e cinco anos como boas oportunidades: “já têm duration para capturar retorno, não precisa ir para prazos muito longos porque, assim, vai adicionando risco e se aproximando do risco de Bolsa”.
Na Bolsa, o setor imobiliário pode ter um rali técnico, especialmente após um início de ciclo de queda agressivo nos juros. Gerson Brilhante, analista da Levante Inside Corp, lembra que “os financiamentos de hipotecas se tornam mais acessíveis, impulsionando a compra de imóveis e valor das ações”.
Fundos imobiliários (FIIs)
O início do aperto monetário tende a ofuscar o operacional dos fundos imobiliários – que, de forma geral, se mantém positivo –, sinaliza Larissa Nappo, analista de FIIs do Itaú BBA, que não descarta impacto na cotação das carteiras.
“[A elevação da Selic] com certeza influencia bastante o mercado de FIIs independentemente da vacância mínima histórica de galpões, da recuperação de lajes corporativas e das captações dos fundos de shopping”, detalha. “Então, qualquer coisa que gere oscilação na curva longa de juros afeta diretamente os FIIs, especialmente a cotação”, explica.
No curto prazo, Jefferson Honório, sócio da Brio Investimentos, acredita que FIIs de recebíveis – que investem em títulos de renda fixa indexados ao IPCA ou à taxa do CDI – devem performar melhor, principalmente os com bons projetos e garantias sólidas, reforça.
“Quanto aos “FIIs de tijolo” – que investem diretamente em imóveis –, o investidor deve entender que, durante os ciclos, haverá momentos turbulentos e momentos de calmaria”, orienta. “E é muito difícil antecipar grandes inversões de ciclo, por isso, a importância de uma estratégia de longo prazo”, complementa.
Fundos de Investimentos
No caso dos fundos de investimentos, as carteiras focadas em renda fixa ganham um fôlego ainda maior, avalia Evandro Buccini, sócio e diretor de crédito e multimercados da Rio Bravo.
“Comparando com a expectativa de início do ano, 2024 está sendo um ano muito mais complexo. Não havia expectativa desse ‘cavalo de pau’ da Selic que prejudica a captação de fundos multimercados, de ações e estruturados”, contextualiza. “O destaque do ano acaba sendo os fundos de renda fixa, especialmente com a forte recuperação dos fundos de crédito”, completa.