O diretor da OMC (Organização Mundial do Comércio), Roberto Azevêdo, afirmou nesta semana em um evento promovido pelo Tesouro da França sobre a abertura comercial, crescimento econômico e desigualdades que todo o mundo perderá com o fechamento das fronteiras para o comércio, numa forte crítica à recente onda protecionista em curso desde o estouro da crise do subprime, em 2008.
Declarações duras como as de Azevedo se tornaram mais freqüentes desde o Brexit e a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, apesar de ser um movimento praticado por diversos países, direta ou indiretamente, incluindo potências globais, há vários anos.
Analisando os impactos provocados por movimentos protecionistas praticados no passado, principalmente por economias que proporcionam adequado ambiente de negócios (ponto fundamental para a estratégia funcionar), o mercado começa a perceber certo exagero no receio da imprensa ocidental e nas declarações de figuras influentes, como a do diretor da OMC.
A revisão de acordos comerciais, como a que está sendo praticada pelos Estados Unidos, e rupturas dramáticas, como a saída do Reino Unido da União Europeia, estão sendo vistas como potências globais dando as costas para o mundo. Entretanto, não há menor condição de nenhum País no mundo fechar de forma parcial e relevante suas portas para o comércio global, muito menos fechar totalmente suas fronteiras.
Acima de qualquer ideologia, as portas continuarão abertas por questões de necessidades básicas e anseios da demanda interna. Nenhum País no mundo é auto-suficiente, ao mesmo tempo, em energia, alimentos e medicamentos. Além disso, os governantes precisam atender certos níveis de exigências de suas demandas locais para se manterem no poder. Novamente, nenhum País no mundo consegue produzir todos os anseios que atendam as necessidades de sua demanda.
Por esses e outros motivos o comércio global não corre risco de acabar. O que está ocorrendo é um movimento de acerto ao forte crescimento da globalização nas décadas passadas. Alguns governantes estão enxergando que suas economias se abriram demais ao mundo ou se juntaram a blocos que trouxeram mais problemas do que soluções e, agora, querem ajustar o que possivelmente foi longe demais no passado.
O esfriamento do Trumpflation (receio de que políticas fiscais e protecionistas de Trump criarão pressões inflacionárias relevantes) em Wall Street nos últimos dias/semanas reflete que o mercado incorporou a abordagem relatada nos parágrafos anteriores.
Mesmo com Trump cumprindo suas promessas de campanha nas primeiras semanas de seu governo, a taxa de juros da Treasury de 10 anos (título do Tesouro norte-americano) segue abaixo do pico registrado ano passado, num movimento corretivo.
A queda nas taxas revela que o volume comprador está se impondo sobre o volume vendedor dominante do passado. Os investidores que estão comprando Treasurys a 2,50% ao ano enxergam prêmio embutido no referido título sobre a expectativa de inflação para os próximos anos ou oportunidade para ganhar com a valorização do papel no curto prazo apostando na continuação do movimento corretivo das taxas. Independente da estratégia, em ambos os casos os investidores não estão mais temerosos com o Trumpflation.
O mercado está começando a entender que Trump pode até conseguir reverter meia dúzia de bilhões de dólares em déficits comerciais com determinados países, o que seria um movimento de ajuste relativamente insignificante frente ao tamanho da economia norte-americana, mas não vai conseguir arrastar de volta fábricas em massa para seu País e criar 25 milhões de empregos.
O melhor remédio contra os discursos populistas de Trump são os números puros e frios da economia norte-americana. O mercado de trabalho opera próximo do pleno emprego, logo, não há espaço para criação de tantos novos postos de trabalho. Na outra ponta, Trump também conta com uma trava. A administração anterior entregou um passivo fiscal relevante e Trump vai ter que respeitar o limite de endividamento do governo, que por sinal já se aproxima do teto. Logo, não há tanto espaço para expansionismo fiscal.
São os números puros e frios que também respaldam as decisões de política monetária do FED (Federal Reserve – Banco Central dos Estados Unidos). A última reunião de Comitê, realizada na terça e quarta-feira desta semana, surpreendeu parte de analistas e economistas por não indicar quando a autoridade monetária pretende subir novamente a Fed Funds (taxa básica de juros).
Em dezembro do ano passado, a mediana das projeções entre os membros do Comitê para a Fed Funds subiu de 1,1% para 1,4% ao fim de 2017, sinalizando que o Banco Central poderia subir sua taxa básica de juros em três ocasiões neste ano.
Como o FED costuma antecipar seus movimentos ao mercado com bastante antecedência, o fato de a reunião do mês de fevereiro ter passado limpa, sem novidades, revela que um novo aumento não está na mira da instituição, mesmo com a inflação deslocando-se para a meta de 2% a ser perseguida.
O FED não estaria adotando uma postura cautelosa caso estivesse enxergando riscos concretos adicionais para inflação vindos da nova administração Trump. O risco não pode ser totalmente descartado, mas a possibilidade de se tornar realidade é baixa.
No Reino Unido, o BoE (Bank of England) também não enxerga risco adicional para a inflação local mesmo calculando os impactos do Brexit na economia, principalmente pela flutuação da moeda. A taxa básica de juros foi mantida em 0,25% ao ano na reunião de Comitê encerrada na última quinta-feira, sem nenhuma sinalização de aperto à frente.
A autoridade monetária britânica também revisou fortemente para cima as projeções para o PIB (Produto Interno Bruto) deste ano, de 1,4% para expansão de 2,0%. A chuva de catástrofes projetadas antes de o Brexit se tornar realidade no referendo caiu no esquecimento, como de costume.
A semana também foi de reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Popular (autoridade monetária chinesa), com uma decisão que surpreendeu o mercado. A taxa de juros sobre operações de recompra reversa no mercado aberto de 7 dias, 14 dias e 28 dias subiu inesperadamente 0,10 p.p., para 2,35%, 2,50% e 2,65% respectivamente.
Este é o primeiro aumento desde 2013 para as linhas de 7 dias e 14 dias. Para a linha de 28 dias, é o primeiro aumento desde 2015. O movimento do Banco Popular é uma tentativa de defender a economia contra fuga de capitais e evitar um superaquecimento do crédito, dois sérios problemas a serem enfrentados pelas autoridades locais neste ano.