Após o tombo de 30% em março, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, subiu 10,25% em abril, na maior alta para o mês desde 2009. A recuperação que levou a Bolsa do piso do ano (63 mil pontos), em 23 de março, para os atuais 80 mil pontos é acompanhada com cautela por Jorge Simino, diretor de investimentos da Funcesp.
Maior fundo de pensão privado do país, com R$ 30 bilhões em ativos previdenciários, a fundação é responsável por aproximadamente 120 mil segurados das companhias energéticas do Estado de São Paulo (Cesp, AES Tietê, CPFL, Cteep e Eletropaulo).
“A Bolsa nos 80 mil pontos é um exagero, dado o tamanho do imbróglio em que estamos”, diz o gestor, que acredita que a crise deve ser mais extensa do que parte do mercado imagina. “Vejo relatórios e projeções indicando que a crise deve ficar encapsulada em 2020, mas acho que estamos muito longe disso.”
O momento exige prudência, afirma o diretor de investimentos, que demonstra preocupação com o descontrole fiscal nas contas públicas e com a perda de renda das famílias e das empresas. “Pelo tamanho da crise, acredito que os estímulos terão de ser estendidos para 2021.”
Em busca de liquidez diante do quadro desafiador, no inicio de março, a entidade de previdência vendeu 30% – ou cerca de R$ 1,2 bilhão – de sua carteira de renda variável.
Por conta da rapidez com que os ativos caíram, não houve muito tempo para fazer uma análise mais apurada dos papéis a priorizar, conta Simino, que não entrou em detalhes sobre quais ações foram vendidas. “Chamo de venda vertical, como se pegasse uma faca e cortasse um bolo ao meio. Não faço ‘stock picking‘ em momentos assim, em que a prioridade é a liquidez.”
A venda das ações e a queda nos preços dos ativos derrubou em pouco mais de 50%, de 20% para 8% a participação da renda variável no portfólio do fundo de pensão.
Volta forçada
Por isso, ainda que não se veja muito tentado pela Bolsa por ora, o diretor terá de fazer uma recomposição pelo menos parcial da carteira de ações para manter a expectativa de rentabilidade do portfólio condizente com o necessário para o pagamento dos benefícios previdenciários no longo prazo.
Em 2007, a Funcesp chegou a ter quase 30% em ações, mas Simino descarta retomar o mesmo patamar de antes. “Não tenho apetite para voltar a ter 20% em Bolsa em um horizonte de dois anos.”
De toda forma, a Funcesp está estruturando um novo fundo de ações, de R$ 500 milhões, de gestão própria. Do total de quase R$ 30 bilhões sob administração do fundo de pensão, apenas R$ 1,3 bilhão fica na mão de gestores terceirizados, com o restante sob a responsabilidade da equipe interna da fundação.
“Buscaremos empresas com resiliência financeira, estrutura de capital robusta e boa governança, mirando um horizonte de investimento de três anos”, diz Simino, que ainda aguarda o fundo ficar pronto para começar a comprar as ações.
Margem de manobra
A renda variável é a segunda maior classe dentro da carteira da Funcesp, com cerca de R$ 2,5 bilhões, bem abaixo dos R$ 25,2 bilhões em renda fixa – a entidade também tem investimentos imobiliários, em multimercados e no exterior, que, juntos, somam aproximadamente R$ 2 bilhões.
Dada a predileção pela renda fixa, enquanto se prepara para garimpar os melhores papéis da Bolsa, Simino aproveitou a abertura das taxas nas últimas semanas para comprar títulos de crédito privado com rating “triplo A” (com menor risco de crédito). “Nenhuma aquisição foi com prêmio inferior a 5,3%, mas, infelizmente, os volumes são pequenos”, diz o dirigente.
Para aumentar a diversificação, a entidade também comprou títulos emitidos no exterior por empresas brasileiras principalmente, mas também por outras companhias latino-americanas. “Chegamos a encontrar bonds de bancos de primeiríssima qualidade com juros de 7%.”
Para aproveitar as oportunidades e manter a carteira liquida e com menos volatilidade, além das ações, a fundação se desfez no mês passado de R$ 1,4 bilhão em fundos multimercados e títulos públicos indexados à inflação com vencimento em 2035. “Pela menor volatilidade em comparação com os títulos longos, temos priorizado os de prazo mais curto, com vencimento entre dois e quatro anos.”
As vendas aumentaram a alocação em caixa de 9%, em fevereiro, para os atuais 16%, no âmbito da postura mais conservadora adotada pela fundação.
Em crises passadas, recorda o gestor, a taxa de juros representou um porto seguro aos fundos de pensão, refúgio que hoje não oferece a mesma atratividade. “Manter dinheiro em caixa é defensivo, mas custa caro.”
Com a Selic em 3,75% – e com possibilidade de cair ainda mais na próxima semana –, e colocando na conta a taxa de administração do fundo e a inflação, a alocação em caixa resulta em uma rentabilidade real negativa, observa o especialista.
Distante da meta
Devido à intensidade da queda dos mercados e do baixo retorno dos fundos de curto prazo, a carteira de investimentos da Funcesp caiu 4,68% no primeiro trimestre. De janeiro a março, a meta atuarial (obrigação anual de rentabilidade que as entidades precisam cumprir para pagar os benefícios aos segurados ao longo dos anos) foi de 3,16% positivos.
Compõe a meta atuarial da Funcesp uma taxa de juros (de 5,27% em 2020) mais a variação do IGP-DI. E apesar de a inflação oficial estar baixa – o IPCA-15 de abril teve deflação de 0,01% –, no caso do IGP-DI, a dinâmica é bem diferente.
“O atacado corresponde a 60% do IGP-DI e tem forte influência do câmbio”, afirma Simino. Em março, o IGP-DI avançou 1,64%, e o IPCA, 0,07%. Em 12 meses, o IGP-DI sobe 7,01%, e o IPCA, 3,30%. “Esse ano será praticamente impossível bater a meta.”
Em abril, a carteira de investimentos da Funcesp até chegou a apresentar uma recuperação mais robusta, mas que foi esvaziada pelos eventos políticos da semana passada. “Espero fechar o mês com um retorno positivo próximo de 1%”, assinala o diretor.