O Banco Central do Brasil (BCB) manteve a taxa básica em 2% nesta quarta-feira (16), interrompendo um ciclo de nove cortes, citando a necessidade de “prudência” para avaliar o impacto fiscal das medidas de recuperação econômica adotadas diante da pandemia do coronavírus.
A decisão de manter a taxa Selic em 2%, seu mínimo histórico, corresponde à projeção de analistas e foi adotada por unanimidade pelos nove membros do Comitê de Política Monetária do BCB (Copom), informou a instituição.
O Copom afirmou que “a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado”, em um país que entrou em recessão por conta da crise sanitária.
Também admitiu que pode haver um novo corte na Selic, mas que, por questões de prudência e estabilidade financeira, deverá ser pequeno. Segundo a instituição, sua decisão desta quarta-feira equilibrou a necessidade de um “estímulo monetário considerado adequado para o cumprimento da meta para a inflação” e “a cautela necessária por razões prudenciais”.
O comunicado garante que o Copom não pretende reduzir os estímulos monetários, a menos que as expectativas de inflação estejam próximas das metas de inflação de 2020 até 2022.
Esse cenário parece improvável à primeira vista, já que a expectativa do mercado é de um aumento de preços de 1,94% em 2020, com o centro da meta em 4%; e de 3,01% em 2021, quando a meta será reduzida para 3,75%. A inflação de janeiro a agosto foi de 0,7%, confirmando essas projeções.
No entanto, essas médias escondem diferenças notórias: o preço do transporte caiu 3,46% nos primeiros oito meses do ano, enquanto o da alimentação subiu 6,1%, com disparada em produtos da dieta básica, como o arroz (+ 19,3%), feijão preto (28,9%) e farinha de milho (8,1%).
Essa alta de preços se deveu ao boom da demanda externa graças à desvalorização do real frente ao dólar e à demanda interna, estimulada pela ajuda mensal de 600 reais concedida por cinco meses a mais de 60 milhões de brasileiros para enfrentar as consequências da pandemia.
Essas medidas ajudaram a moderar o colapso econômico. O país entrou em recessão no segundo trimestre com uma contração recorde de 9,7%, mas um pouco menos do que o esperado em maio. O mercado, que esperava uma queda de 6,48% em junho de 2020, moderou a projeção, para -5,11%.
A ajuda emergencial, porém, foi reduzida em setembro para 300 reais e poderá ser extinta em 2021.
Os mercados estão atentos às dificuldades do governo de Jair Bolsonaro para avançar com seu programa de ajustes, em um momento em que os déficits se aprofundam e a dívida pública, de 75,8% do PIB em dezembro de 2019, se aproxima de 100%.
A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:
- No cenário externo, a retomada da atividade nas principais economias, ainda que desigual entre setores, em conjunção com a moderação na volatilidade dos ativos financeiros, tem resultado em um ambiente relativamente mais favorável para economias emergentes. Contudo, há bastante incerteza sobre a evolução desse cenário, frente a uma possível redução dos estímulos governamentais e à própria evolução da pandemia da Covid-19;
- Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentes sugerem uma recuperação parcial, similar à que ocorre em outras economias. Os setores mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem deprimidos, apesar da recomposição da renda gerada pelos programas de governo. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais;
- O Comitê avalia que a inflação deve se elevar no curto prazo. Contribuem para esse movimento a alta temporária nos preços dos alimentos e a normalização parcial do preço de alguns serviços em um contexto de recuperação dos índices de mobilidade e do nível de atividade;
- As diversas medidas de inflação subjacente permanecem abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;
- As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 1,9%, 3,0% e 3,5%, respectivamente;
- No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 2,1% para 2020, 2,9% para 2021 e 3,3% para 2022. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2,00% a.a. e se eleva até 2,50% a.a. em 2021 e 4,50% a.a. em 2022; e
- No cenário com taxa de juros constante a 2,00% a.a. e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação situam-se em torno de 2,1% para 2020, 3,0% para 2021 e 3,8% para 2022.
O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.
Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado, notadamente quando essa ociosidade está concentrada no setor de serviços. Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.
Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. Adicionalmente, os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos. Esse conjunto de fatores implica, potencialmente, uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.
O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.
Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica de juros em 2,00% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022.
O Copom entende que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno. Consequentemente, eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva.
De forma a prover o estímulo monetário considerado adequado para o cumprimento da meta para a inflação, mas mantendo a cautela necessária por razões prudenciais, o Copom considera apropriado utilizar uma “prescrição futura” (isto é, um “forward guidance“) como um instrumento de política monetária adicional. Nesse sentido, e apesar de uma assimetria em seu balanço de riscos, o Copom não pretende reduzir o grau de estímulo monetário, a menos que as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estejam suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária, que atualmente inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022. Essa intenção é condicional à manutenção do atual regime fiscal e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.