Em discurso pré-gravado para a Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira (22/9), o presidente dos EUA, Donald Trump, fez da China seu alvo principal, em meio a uma guerra comercial com o país asiático e a uma disputa de narrativas sobre os esforços para conter a pandemia do novo coronavírus.
“Estamos em uma batalha dura contra o inimigo invisível – o vírus chinês -, que tirou um número incontável de vidas em 188 países”, afirmou Trump, sem mencionar o nome real do Sars-CoV-2 e usando uma forma considerada cientificamente preconceituosa e ofensiva aos chineses.
Pedindo que a ONU responsabilize Pequim “por ter soltado essa praga (vírus) no mundo”, Trump afirmou que “nos primórdios da pandemia, a China restringiu os deslocamentos domésticos enquanto permitiu que voos saíssem da China e infectassem o mundo”.
Presidente do país com o maior número de casos e mortes pelo novo coronavírus, Trump afirmou que os EUA “lançaram a mais agressiva mobilização desde a Segunda Guerra Mundial” contra a pandemia. Segundo ele, estão sendo produzidas em massa três tipos de vacina para que, caso sejam aprovadas, possa haver rápida distribuição.
“Vamos distribuir a vacina, vamos derrotar o vírus e vamos acabar com a pandemia e entraremos em uma nova era de prosperidade, cooperação e paz sem precedentes”, declarou.
Assembleia virtual
Marcando os 75 anos de existência da ONU, a Assembleia Geral deste ano foi completamente atípica: por conta da pandemia, pela primeira vez na história, os líderes globais e suas delegações diplomáticas não se reuniram presencialmente em Nova York.
Em vez disso, os chefes de Estado discursaram virtualmente, em falas pré-gravadas, e mandaram apenas um ou dois enviados para as reuniões presenciais na sede da ONU.
Na abertura da sessão, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que, em tempos de pandemia, os países sejam “solidários” e “guiados pela ciência”. Também afirmou que “o populismo e o nacionalismo falharam” e que “o poder nem sempre está associado à liderança”.
Trump, que diversas vezes expressou desdém pela ONU e outros órgãos multilaterais, estava previsto para falar também na véspera, na cerimônia comemorativa do 75° aniversário da entidade, mas acabou mandando uma diplomata em seu lugar.
Segundo a discursar na Assembleia Geral nesta terça (logo depois de Jair Bolsonaro), Trump, como presidente do país-sede da ONU, poderia ter estado pessoalmente na sede da entidade em Nova York – mas observadores apontam que era pouco provável que o presidente americano deixasse de lado seus eventos de campanha pela reeleição para falar diante de diplomatas, a maioria deles de segundo escalão.
Em seu discurso, Trump defendeu sua abordagem nacionalista na política externa.
“A América está cumprindo seu destino como pacificador. Mas é paz por meio da força. (…) Por décadas, as mesmas vozes cansadas propuseram as mesmas soluções fracassadas, perseguindo ambições globais às custas de seu próprio povo. Mas só quando você toma conta de seus cidadãos você encontra a base verdadeira para a cooperação”, declarou.
“Como presidente, rejeitei as abordagens fracassadas do passado – e estou orgulhosamente colocando a América em primeiro lugar, da mesma forma como vocês (chefes de Estado) deveriam colocar seus países em primeiro lugar.”
EUA x Irã
Além disso, a Assembleia ocorre em meio a divergências em um novo capítulo das disputas entre EUA e Irã. Na segunda-feira, os EUA anunciaram que colocariam em vigor sanções contra indivíduos e empresas iranianos, alegando estar pondo em prática um embargo de armas da própria ONU parte do acordo nuclear de 2015 (assinado pelo governo Barack Obama e rejeitado por Trump).
A ONU, porém, afirmou que não caberia aos EUA fazer tal imposição, e a medida de Washington gerou críticas de países europeus.
O enviado do Irã à ONU, Majid Takht-Ravanchi, afirmou que a decisão dos EUA “não tem efeito prático”.
Em seu discurso na Assembleia Geral, Trump afirmou que “impôs sanções incapacitantes sobre o maior patrocinador de terrorismo do mundo”.
O americano também exaltou o acordo entre Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Israel (mediado pelos EUA) como “histórico, após décadas sem progresso” no processo de paz no Oriente Médio.
Os defensores do acordo dizem que ele traz uma oportunidade para se fazer avançar o processo de paz na região. Segundo seus termos, Israel vai por um freio à anexação de territórios palestinos ocupados que chegou a ser anunciada pelo primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu. Em troca, os Emirados Árabes e o Bahrein vão normalizar suas relações com Israel.
Em contrapartida, os críticos destacam que em troca de pouco, ou quase nada — que foi o recuo no plano de anexação que havia feito diante de críticas de todo o mundo —, Israel conseguiu normalizar sua relação com dois países que, como a maioria das nações árabes, se negava a reconhecer o Estado israelense, acusando-o de ocupação ilegal em terras palestinas.