BRASÍLIA (Reuters) – O Banco Central tem grande arsenal para fazer frente a qualquer tipo de crise, afirmou nesta segunda-feira o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, após a divulgação de medidas e ações em estudo que, juntas, implicam uma injeção de liquidez potencial de 1,2 trilhão de reais no sistema financeiro nacional.
Em entrevista coletiva virtual, Campos Neto defendeu que o sistema financeiro brasileiro é sólido e está bem capitalizado, habilitado para “funcionar perfeitamente”. Ele disse ainda que o BC “está absolutamente tranquilo” e disponível para prover o incentivo que for necessário.
“A gente está falando mais ou menos de 16,7% do PIB (Produto Interno Bruto), comparando com o que foi feito em 2008, que foi 3,5% do PIB”, disse Campos Neto, ao falar sobre as medidas para injeção de liquidez.
“O que nós estamos querendo passar é que nós temos uma ampla capacidade de atuação. O que já foi feito e o que está sendo anunciado hoje representa o maior plano de injeção de liquidez da história do país.”
Mais da metade do montante vem de uma medida ainda em fase de elaboração final: a concessão de empréstimos pelo BC a bancos com lastro em letras financeiras garantidas por operações de crédito. Só com a investida, Campos Neto previu uma liberação de 670 bilhões de reais.
Na prática, a ideia é que os bancos ganhem aval para empacotar suas carteiras de crédito e emitir letras financeiras em cima desses ativos. O BC, então, emprestará recursos a essas instituições tomando as letras financeiras como garantia.
“É basicamente você pegar a carteira de crédito que o banco tem, securitizar em formato de letra financeira, e passar a financiar isso”, disse Campos Neto.
“Essa é uma forma de dar liquidez em troca de uma carteira de dívida privada que vai fazer com que o banco tenha recursos para fazer mais dívida. Então a gente entende que o direcionamento vai chegar nas empresas”, completou.
O presidente do BC avaliou que a crise desta vez vem da economia real, diferentemente da de 2008, que decorreu de grande alavancagem financeira, gerando uma percepção de que os bancos como um todo tinham problemas.
Agora, a turbulência econômica desencadeada pelo coronavírus é “totalmente diferente”, sem problemas identificados nos balanços das instituições, frisou.
O BC enxergou a crise “em ondas”, disse Campos Neto, indicando que inicialmente o temor era de que ela iria atrapalhar a produção de bens, especialmente em grandes centros afetados, como China, Coreia e Estados Unidos, num choque de oferta. Como a avaliação era de que a economia brasileira é relativamente fechada, o efeito no país acabaria menor.
Numa segunda onda, entretanto, o BC passou a antever forte impacto na área de serviços por conta das quarentenas, com um efeito indireto também importante, ligado à redução da renda e perda de valores financeiros e com a busca por liquidez tanto no sistema financeiro quanto no setor real promovendo um encarecimento do crédito.
“Só as perdas na bolsa somam 1,6 trilhão de reais”, afirmou Campos Neto.
DEMANDA POR LIQUIDEZ
A necessidade de liquidez, de acordo com o presidente do BC, se dá para garantir o provimento de fluxo de caixa às empresas para que atravessem o período de isolamento imposto para frear a disseminação do vírus.
Campos Neto argumentou que essa nova dinâmica de distanciamento social quebrará cadeias produtivas e impactará fortemente o setor de serviços, que representa 63% do PIB brasileiro. Por isso, o BC também está estudando medidas para assegurar o direcionamento do crédito para pequenas e médias empresas, partindo do pressuposto de que elas sofrerão mais.
Novas liberações de compulsórios também estão na mesa, pontuou ele.
Mais cedo nesta segunda-feira, o BC anunciou a redução temporária da alíquota do compulsório sobre recursos a prazo de 25% para 17%, com liberação de 68 bilhões de reais extras na economia.
Em 20 de fevereiro, o BC já havia anunciado uma redução do recolhimento compulsório dos bancos sobre depósitos a prazo e um ajuste em regra de exigência de liquidez das instituições que juntos abriram caminho para liberação de 135 bilhões de reais.
DÍVIDA DE EMPRESAS
Após o Federal Reserve, BC norte-americano, ter anunciado nesta segunda-feira que começará a respaldar uma gama de créditos sem precedentes para famílias, pequenas empresas e grandes empregadores, Campos Neto afirmou que o BC “não tem operacional” para ir pelo mesmo caminho, comprando diretamente as dívidas de empresas.
No entanto, ele pontuou que, com as medidas já anunciadas e outras que estão sendo estudadas, o Brasil está tomando ações que têm “efeito muito parecido”.
Além dos empréstimos do BC a bancos com lastro em letras financeiras, ele citou nesse sentido a autorização já feita pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) nesta segunda-feira para que o BC conceda empréstimos a bancos com garantia em debêntures, buscando prover liquidez ao mercado secundário de dívida corporativa.
“O banco vai ter liquidez para fazer mais empréstimos privados, então chega nas empresas”, disse.
Segundo o presidente do BC, a medida envolvendo debêntures veio após um problema de liquidez ser identificado nesse mercado, já que, em meio a pedidos de resgate em fundos de títulos de dívida privada, os gestores não estavam conseguindo vender na velocidade adequada.
Campos Neto afirmou que o volume de debêntures que precisava ser vendido para equacionar a questão era da ordem de 20 bilhões de reais e que o programa do BC é de 90 bilhões de reais, sendo suficiente, portanto, para resolver esse descompasso.
NOVO DPGE
Nesta manhã, o BC também anunciou a autorização para que instituições financeiras possam captar por meio de depósitos a prazo com garantia especial do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), num instrumento preventivo para ajudar especialmente pequenos e médios bancos neste momento.
Campos Neto destacou que esse tipo de depósito a prazo, conhecido como DPGE, vai possibilitar que 200 bilhões de reais sejam concedidos em crédito.
“A última medida que foi feita nesse mesmo sentido, em 2009, liberou 30 bilhões (em crédito), então é medida muito mais poderosa do que foi feita em 2009”, afirmou.
O DPGE deve ter valor mínimo de emissão de 1 milhão de reais, com prazo mínimo de 12 meses e máximo de 24 meses, sendo vedado o resgate antecipado.
As instituições financeiras poderão captar em DPGE o valor equivalente ao seu patrimônio líquido, limitado a 2 bilhões de reais por conglomerado, e as emissões poderão acontecer até o início de 2022. A garantia do FGC será de até 20 milhões de reais por titular.
O diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello, afirmou que todas as instituições associadas ao FGC poderão emitir DPGE, incluindo bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento e sociedades de crédito.
O valor máximo de emissão é hoje de 20 milhões de reais –mesmo teto de 2009–, mas o FGC está avaliando aumentá-lo, disse o diretor.
CÂMBIO
Sobre o câmbio, Campos Neto ressaltou durante a coletiva que a moeda é flutuante, mas que a autoridade monetária também tem arsenal grande nessa área do qual pode lançar mão se entender necessário.
“Temos um poder de intervenção muito amplo (no câmbio)”, disse.
Depois de o Fed ter divulgado na semana passada uma linha de swap de até 60 bilhões de dólares com o BC, Campos Neto avaliou que a investida dá ainda mais capacidade e potencial à autoridade monetária no mercado internacional e de linha em dólares.
Ele disse ainda que o BC espera não precisar usar a linha com Fed, mas afirmou que este é um “seguro importante” num momento de crise.
“México já começou a usar a linha que pegou, nós entendemos aqui que não existe a necessidade de fazer isso no curto prazo”, afirmou Campos Neto.
Por Marcela Ayres